Mesmo criativo e inteligente, “Ted Bundy: A Irresistível Face do Mal” ainda é apenas mais um filme de serial killer

Pelo menos 36 mulheres, entre 1974 e 1978, foram assassinadas a sangue frio, por métodos extremamente perversos, chocantemente cruéis e vis, pelo serial killer Ted Bundy, um dos assassinos em série mais famosos dos Estados Unidos. Conhecido por ser uma pessoa excepcionalmente atraente e charmosa, sua culpa foi bastante duvidada pela população norte-americana e pelas pessoas ao seu redor durante vários anos, desde o início de seu primeiro julgamento, tendo seu caso sido um dos mais televisionados da história do país.

No começo do ano, inclusive, um documentário foi lançado pela Netflix contando um pouco da história do assassino a partir de depoimentos gravados quando este se encontrava no corredor da morte, o que nos mostra que o assunto ainda possui bastante relevância nos dias atuais.  Já em Ted Bundy: A Irresistível Face do Mal, uma espécie de biografia ficcional, vemos uma representação de sua história, mostrando de forma um tanto vaga e sutil – propositalmente – quem era o homem por trás dos assassinatos, ao mesmo tempo em que destaca a história da mulher que, durante os anos anteriores ao caso, foi sua namorada: Elizabeth “Liz” Kendall.

O filme é estrelado por Zac Efron e Lilly Collins, ambos com um desempenho bastante marcante para suas carreiras, fazendo jus a seus papéis. A escolha do ex-jogador do WildCats para interpretar uma figura pública cujas principais características são a beleza e o charme foi bastante promissora, visto que o ator consegue encantar com seu típico sorriso – assim como Bundy na vida real –, fazendo-nos ficar cativados por um homem que já sabemos ser extremamente vil.

Muitas pessoas, ao longo do julgamento, chegaram a acreditar na inocência de Bundy, devido a tal carisma, e é neste ponto que vemos um dos principais méritos do longa-metragem: a perspectiva desenvolvida no filme faz com que os espectadores, mesmo que já tenham conhecimento dos atos e da crueldade do serial killer, sejam levados a simpatizar com o personagem, chegando até mesmo a torcer por ele – mesmo que seja por alguns breves segundos, até cair a ficha – e duvidar de sua culpa, o que coloca o público numa situação quase semelhante a de quem acompanhou o julgamento na época.

Lilly Collins, interpretando uma mulher que possui um amor descomunal pelo protagonista, consegue fazer o espectador sentir, pouco a pouco, sua perda de esperança pela inocência do namorado, seguida por grandes momentos de desgaste emocional e psicológico. O filme nos entrega, por fim, uma catarse essencial que faz com que tanto a personagem quanto os espectadores sintam um grande peso sendo retirado de suas costas, este tendo sido carregado, durante o longa-metragem, em forma de uma resposta que todos estavam esperando junto da personagem, fazendo-nos recuperar o fôlego que nem sabíamos ter perdido.

Entretanto, o filme acaba deixando a desejar em diversos outros aspectos. O ritmo, por exemplo, pode decepcionar alguns espectadores ao longo da história, onde temos sequências que são mais rápidas do que deveriam – e poderiam ser melhor trabalhadas –, e outras que se demoram mais do que o necessário.

Logo no início do longa-metragem somos apresentados a demasiados cortes e alternações de cenas que mais parecem uma colagem feita às pressas do que algo realmente trabalhado com antecedência, perdendo qualquer possibilidade, ao longo dos primeiros minutos do filme, de sutileza e fluidez. E, não só isso, há personagens que acabam não sendo bem trabalhados ao longo da narrativa, mesmo que tenham um papel importante a desempenhar. A mãe de Bundy, por exemplo, mal é citada ao longo do filme, mas aparece de surpresa na segunda metade do longa com um papel importante a desempenhar, o que faz com que seus momentos promissores acabem perdendo profundidade.

A principal falha do filme, entretanto, é não dar a atenção devida às vítimas e suas famílias em nenhum momento da trama – o que se esperaria de uma obra que abordasse a história de Ted Bundy – pois o passado destas pessoas, que tiveram suas vidas destruídas pelos atos do serial killer, está para sempre ligado à história do assassino. Um fato curioso que vale ressaltar é a semelhança de suas vítimas com a personagem de Lilly Collins, tanto na vida real quanto na obra, fator o qual, se melhor trabalhado, poderia agregar muito.

O único momento em que estas mulheres têm um mínimo de foco é no final do longa-metragem, quando seus nomes aparecem na tela, durante alguns segundos, como uma espécie de homenagem que não passa de meras letras brancas em um fundo preto, em uma falha tentativa de tornar o filme minimamente responsável. Logo no começo, somos apresentados a uma mulher que foi atacada por Bundy, mas sobreviveu; foi tratada durante seu julgamento, entretanto, como alguém inconsequente e imoral que não deveria ter sua palavra ouvida, algo que também demonstra o caráter insensato da obra.

Inclusive, o personagem não se limitou a ser um dos feminicidas mais conhecidos do mundo, mas também era um necrófilo, algo muito pouco abordado durante a trama, tendo seus crimes e seu psicológico sido amenizados na história. Por mais que a ideia de iludir o espectador – mesmo que sua culpa seja cada vez mais óbvia – seja deveras original e, vulgo dizer, brilhante, a irresponsabilidade de ocultar a história de suas vítimas deixa muito a desejar do filme.

Para quem gosta de sutileza e boas atuações, entretanto, o filme pode acabar sendo satisfatório devido às habilidades de Efron e Lilly, que apresentam um trabalho que certamente marcará positivamente suas carreiras.

Ted Bundy: A Irresistível Face do Mal, portanto, é uma obra criativa, inteligente e corajosa, mas ao mesmo tempo apresenta um produto final com ritmo falho, irresponsável e, possivelmente, desrespeitoso. É evidente que a sociedade do espetáculo em que vivemos – não muito diferente da qual Bundy vivia – se mantém sempre interessada em casos como este, sangrentos e devastadores, fazendo com que continuem ganhando cada vez mais atenção na mídia, o que nos leva à conclusão de que o novo filme de Ted Bundy se tornará, com o tempo, apenas mais uma obra audiovisual, entre muitas, baseada na história real de um serial killer.

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