Dirigido pelo ex-ator bastante promissor, mas que se revelou um diretor melhor ainda (Vencedor de 2 Oscar), Ron Howard, o filme mostra um ainda pouco prestigiado Herman Melville (Ben Whishaw), que vai a procura de Thomas Nickerson (Brendan Gleeson), um dos poucos sobreviventes do ataque furioso da baleia ao navio The Essex, para saber o que de fato aconteceu, até então nunca revelado a ninguém. A direção de Howard é mais uma vez muito segura e o diretor mostra que está se tornando especialista em confrontos diversos do ser humano, como “Frost X Nixon (2008)”, “Hunt X Lauda em Rush (2013)”, o “Homem X Espaço, em Apollo 13 (1995)”, o “Homem X Doença, em Uma Mente Brilhante (2001)” e agora o “Homem X Natureza” em No Coração do Mar.
Por se tratar de um recurso muito eficiente na arte de se contar uma história ocorrida no passado, Howard usa a forma de narrativa inversa, ou seja, inicia o filme em um ponto à frente do essencial para a história para então retornar à elucidação dos fatos. Essa estratégia de mostrar primeiramente o “final do filme”, deixa o espectador mais curioso a respeito de como foi a incrível jornada até lá. Este início lembra – ao seu modo – outra grande aventura literária adaptada recentemente para o cinema, o filme “As Aventuras de Pi (2012)”.
Chris Hemsworth é Owen Chase, o melhor caçador de baleias local, e lhe fora prometido a honra de ser Capitão do barco no seu próximo trabalho. Então ele deixa sua esposa grávida para passar alguns meses em alto mar e voltar com os barris cheios de óleo a tempo de presenciar o nascimento do seu bebê, mas o que ele não esperava é que seria apenas o Primeiro Imediato de um Capitão muito mais jovem e inexperiente, porém vindo de família rica, George Pollard (Benjamin Walker). Obviamente contrariado, de toda forma Chase precisa aceitar o trabalho, pois necessita prover o sustento de sua família e os tempos não estão fáceis. Começa então uma rivalidade entre os dois que pode colocar em risco o sucesso da missão. “No Coração do Mar” é um filme que fala também da arrogância do ser humano e o que ele é capaz de fazer e até onde pode ir quando está cheio de ambição.
É bastante satisfatório ver que Hemsworth está conseguindo se desvencilhar da imagem de “Thor”, encarando outros tipos de projetos como em Rush, Hacker ou neste filme – inclusive se dedicando a uma transformação física, como na sua foto que foi divulgada recentemente – mas apesar de uma atuação bastante confiante, o ator ainda não conseguiu alcançar certo nível de capacidade dramática para que possa ser elogiado ou premiado. Ainda lhe falta emoção e a foto divulgada às vésperas da estréia acaba por ser na verdade uma baita jogada de marketing, pois o próprio filme não explora este recurso de maneira suficiente. Portanto, não esperem uma interpretação mais visceral como a de Tom Hanks em Náufrago ou Suraj Sharma em As Aventuras de Pi.
Os coadjuvantes trabalham muito bem, o que não é novidade para um elenco talentoso do calibre de Cillian Murphy, Brendan Gleeson e o jovem Tom Holland. Auxiliados pela excelente arte de Mark Tildesley, que faz o espectador imergir na atmosfera do século XIX, o elenco desempenha bem suas funções, apesar do roteiro não se aprofundar nos personagens e nem se preocupar em desenvolver seus backstories de forma detalhada. Entretanto, quem consegue expressar um pouco mais de emoção mesmo com pouquíssimo tempo na tela é a personagem de Michelle Fairley (a Lady Cathleen Stark), que interpreta Mrs. Nickerson, a esposa de Thomas.
A fotografia do inglês Vencedor do Oscar Anthony Dod Mantle (Quem Quer Ser um Milionário?, 2008) é excelente nas suas decisões de iluminação e planos escolhidos, com destaque para os detalhes de dentro do navio, como objetos e a cenografia. Juntamente com a direção de arte, ambos conseguem encontrar perfeitamente a expressão visual do filme. A trilha sonora do espanhol Roque Baños pontua muito bem nos momentos de ação e aventura, mas fora estes momentos, acaba contribuindo de uma forma negativa para o filme, deixando de auxiliar no envolvimento do espectador por não ajudar a descrever o estado emocional dos personagens. Considerando que as cenas de barco foram filmadas em uma locação pequena e controlada, o trabalho de efeitos especiais e visuais é espetacular, e as cenas em “mar aberto” do filme são absolutamente fantásticas, aparentando estarem realmente em pleno oceano.
O saldo final de No Coração do Mar não chega a decepcionar, mas lhe falta o “coração” que é prometido no título do filme. Não há erros significativos, as partes técnicas são muito bem executadas, o roteiro de Charles Leavitt é sólido e sem grandes furos, além do bom trabalho do elenco e equipe. Mas quando pensamos em algo épico sentimos que o heroísmo vai muito além da sobrevivência. O significado nos remete a agir, confrontar, fazer sacrifícios e nisso o filme deixa um pouco a desejar, por conta de não haver um clímax ou uma grande batalha. Mesmo quando os sobreviventes chegam ao limite físico e moral no filme, o impacto não é tão forte no espectador, pois não há tanta identificação com aqueles homens. Os grandes filmes têm a ver com paixão. Têm que nos pegar, grudar na nossa cabeça e não sair mais. É uma sensação muito triste quando a catarse não ocorre como deveria.
O conservadorismo dos estúdios tem feito isso aos grandes filmes atualmente. A balança que divide o lado artístico do comercial está pendendo cada vez mais para o lado econômico. Não se arrisca mais, pois nenhum investidor em sã consciência atualmente quer ver seu filme colher vários elogios da crítica, sem receber seu valor investido de volta e ainda lucrar com isso. E quem realmente perde com este “mercado” que é o cinema somos nós, espectadores, idolatrando cada vez mais filmes de qualidade duvidosa, apenas pelo efeito placebo de vermos uma nova “obra-prima” surgir. A dura realidade é que é difícil aceitar que as verdadeiras obras-primas estão cada vez mais no passado, e só o que nos consola é saber que elas poderão sempre ser revisitadas a qualquer momento, graças à magia do cinema.