O filme ‘O Abraço da Serpente’ já chama a atenção na primeira cena. No início, vemos os personagens do índio Karamakate (Nilbio Torres) à margem de um rio no meio da floresta amazônica recebendo dois viajantes. Outro índio (porém usando roupas de “homem branco”) chamado Manduca (Yauenkü Migue) carregando um sujeito de traços europeus de nome Theo (Jan Bijvoet). Por um instante algum desavisado poderia dizer que esta seria uma obra que se passa no século XVI (1500 e pouco), por exemplo, retratando a colonização da América Latina pelos países ibéricos. Ledo engano…
Esta obra do diretor colombiano Ciro Guerra se passa no início do século XX. É interessante ver que mesmo após 400 anos a relação da “civilização” com a população indígena simplesmente não mudou. Uma das palavras que resumem o longa é: abuso. Onde “os brancos” continuam a explorar tudo dos índios até a última gota… Literalmente, como é o caso das partes que mostram a extração de borracha das árvores seringueiras.
‘O Abraço…’ é construído mostrando duas épocas distintas e que se intercalam durante as 2 horas de projeção. Nas cenas passadas em 1909, Theo um etnologista alemão está na região da Amazônia peruana/colombiana em busca de uma flor chamada Yakruna que supostamente teria poderes curativos. Com a ajuda de Manduca (um índio que já se veste e age como um branco) tenta convencer a Karamakate que é o último índio representante de uma tribo que foi dizimada (advinha por quem?) a encontrar a planta. Paralelamente, as cenas em 1940 mostram um Karamakate (agora interpretado pelo ator Antonio Bolivar) mais velho interagindo com o botânico americano Evan (Brionne Davis) que vai até a região também atrás da Yakruna. Baseada em fatos reais, o roteiro foi inspirado no diário de Theodor Koch-Grünberg.
Para manter uma unicidade entre as duas partes são aplicadas técnicas de transição usando a própria beleza natural da Floresta Amazônica e principalmente a fotografia preto e branca. Primeiramente, ela reforça a ideia óbvia de que se trata de algo do passado ao mesmo tempo que é útil por mais dois motivos: retira a “overdose” da cor verde, além de evitar que combinada às outras cores causasse uma sensação de paz e felicidade. O preto e branco utilizado reforça a aura pesada, tensa e dramática. Bom para os atores que podem apresentar uma interpretação mais natural e minimalista. O público internacional (incluindo o brasileiro, é claro) por não conhecer os rostos apresentados e assim fica com a sensação que de fato trata-se de algo mais verídico. E para reforçar a força e o tamanho da Floresta Amazônica são usadas belas tomadas abertas dela assim como do Rio Amazonas e a incrível força amedrontadora que possui.
Durante esta busca as personagens se deparam com algumas cenas fortes nas quais os telespectadores (mais humanos) devem sentir vergonha e angústia por conta dos “brancos”. A crítica ao processo “civilizatório” é clara e muito pesada. A arrogância gerada pela falsa superioridade fez com que estes não sentissem respeito algum ao invadirem o espaço dos índios e não só roubassem os bens destes como também tentassem destruir a cultura indígena.
O Cristianismo é, talvez, o maior alvo. Ele é mostrado não somente como a crença irracional que é, mas como foi danosa para aquele povo forçado a deixar até a própria língua e modos de vestir e pensar para seguirem o tal do Jesus Cristo. Em uma cena, um “homem de deus” chicoteia uma criança amarrada a um pau por ter desobedecido uma ordem. A vítima deveria ter no máximo uns 6 anos…
Os índios, porém, mostram que não são “santos”. A obra mostra que estes são seres humanos como todo mundo e também possuem defeitos como é o caso do racismo claro que sentem quanta a outra minoria: a negra.
Sobre o jovem diretor de 35 anos Ciro Guerra é admirável notar que este é apenas o terceiro trabalho dele como diretor e já conseguiu o feito de ser indicado ao Oscar de 2016 por “O Abraço da Serpente” que concorre na categoria de Melhor Filme Estrangeiro.
As maiores lições que são passadas são as de que mesmo sendo seres antropofágicos, mantemos nossas raízes. No filme, os brancos são retratados como pessoas que aprenderam as línguas indígenas e até os rituais, porém ainda mantém alguns costumes. O mesmo vale para os índios que aprenderam espanhol, mas ainda são índios. E a outra notória é a do desapego material… Esse, claro, ensinamento indígena.
Indicado para aqueles que querem entender os motivos que levaram os donos das que terras que hoje habitamos a quase desaparecem e que vivem às margens da nossa sociedade, mas tentando preservar tradições de antes de 1.500. “O Abraço da Serpente” pode gerar empatia para com esta minoria.