“O Clube do Filme” (2007) é um livro autobiográfico sobre um período de três anos da vida do canadense Davis Gilmour, um escritor, crítico e roteirista de cinema que se deparou com um dilema, quando seu filho adolescente começou a apresentar problemas na sua vida escolar, acumulando notas ruins e reprovações. Ao reconhecer no jovem Jesse Gilmour, de quinze anos, o mesmo perfil de desinteresse pela escola, pelo qual passou em sua juventude, o pai começou a se questionar sobre o sentido deste círculo vicioso e até onde o colégio poderia conflitar com as necessidades emocionais do menino, naquela fase da vida. Para ele a evasão escolar do garoto era um acontecimento inevitável, então começou a pensar no que fazer quando isto ocorresse, já que também não queria que o filho trabalhasse, pois na sua visão estaria trocando uma atividade frustrante por outra.
Sua estratégia foi propor ao adolescente, que ele poderia deixar de frequentar o colégio e não precisaria procurar um emprego, que é o que maioria dos que abandonam as instituições de ensino fazem, desde que aceitasse assistir três filmes por semana, na companhia do pai e escolhidos por David. Gilmour se questionou durante todo o período em que participou das sessões com o filho, sobre se estava agindo da forma mais correta para a formação educacional do filho. O que o manteve perseverante, foi a certeza de que era melhor aquele tipo de pedagogia, do que deixar Jesse não frequentar o “High School” (ensino médio canadense) e ainda ficar totalmente ocioso ou trabalhando em algo que não somaria para seu futuro.
A experiência percorreu uma lista de filmes que foi de “A Felicidade não Se Compra” (1946) até “Amor à Queima Roupa” (1993), de diretores como Woody Allen e Akira Kurosawa, passando por atuações de Marlon Brando e Al Pacino, selecionados de acordo com um determinado tema que o genitor queria discutir com o filho e com acontecimentos ocorridos conforme os dias se passavam. Gilmour foi fazendo experiências buscando sensibilizar o menino para determinados aspectos artísticos e sociais, que acabaram por causar mudanças nos dois. A cada longa-metragem assistido ele fez uma descoberta diferente, as vezes decepcionando-se e outras surpreendendo-se, com o acerto ou erro de sua expectativa sobre como Jesse reagiria a cada exibição. Como quando assistiram o filme “Os Reis do Iê, Iê, Iê” (1964), com os Beatles, que achou que o agradaria, mas que na verdade despertou críticas severas do adolescente, principalmente sobre a atuação de John Lenon. Em outras, ficou estupefato com o ponto de vista da interpretação apresentada pelo rapaz ou mesmo com a sua indiferença típica da adolescência.
Aprendizado à parte, para David o melhor de seu experimento, foi a oportunidade de conviver e aprender mais sobre o próprio filho, que ele descobriu conhecer menos do que imaginava. Gilmour passava por um hiato profissional na época, que apesar de ter sido uma dor de cabeça durante o período, depois de olhar para trás, ele afirma que ganhou muito mais com a experiência do que qualquer retorno financeiro poderia ter lhe proporcionado. Tanto ele quanto o filho, fortaleceram muito a compreensão um do outro e criaram uma relação familiar muito melhor, do que teriam se o “Clube do Filme” não tivesse ocorrido. Uma das contribuições mais importantes desta relação, foi ter ajudado Jesse a superar um período em que se encaminhava para uma depressão e um provável envolvimento com drogas advindo dela.
Tanto no Brasil quanto em outros países, existe uma busca constante de uma alternativa para sistemas educacionais ineficazes que muitas vezes servem como um depósito de pessoas, que só o frequentam por que precisam de um diploma para a futura vida profissional. Algumas nações aceitam que pais desenvolvam parte da educação intelectual dos filhos em seu próprio lar, mas a legislação brasileira não permite isso e obriga a frequência até os dezoito anos, apesar de existirem alguns projetos e discussões que visam mudar essa realidade. Para a felicidade de David Gilmour, o Canadá permite este tipo de atividade e mesmo onde não é autorizado, a maioria dos pais e trabalhadores em educação, sabem que é quase impossível manter um adolescente de quinze anos, que não vê sentido prático para sua vida no que é ensinado, na escola. E o escritor sentiu na pele a dificuldade que muitos professores têm, em fazer com que os alunos se interessem por filmes e livros, já que com o número de atrativos oferecidos pelas novas tecnologias de comunicação, muitos deles apresentam uma dificuldade de se envolver com atividades, que exijam um poder de concentração, por um período de tempo maior do que alguns minutos.
São inúmeros os estudos que apontam diferentes mídias, que quando utilizadas como ferramentas educacionais, são cada vez mais fundamentais para o aprendizado. E o cinema é uma das mais citadas, como catalizadora de um processo de formação de um pensamento crítico. São incontáveis os trabalhos de conclusão, monografias e pesquisas em geral, que fundamentam essa visão. É evidente que o cinema não é por si só, uma solução definitiva para a melhoria da educação mundial. Muitos conhecimentos, principalmente de áreas exatas, não podem ser passados somente por mídias audiovisuais. Mas, em muitos casos, ele pode ser a forma mais eficiente de se despertar para conceitos, históricos, sociais, filosóficos, entre outros, que a escola nem sempre consegue efetivar.
Mesmo sendo um livro que aborda o mundo do cinema, citando uma extensa lista de excelentes clássicos, não se pode dizer que o foco dele são as produções audiovisuais. Antes disso é uma publicação que fala sobre a relação entre pais e filhos e sobre como orientá-los intelectual e emocionalmente. Você não vai encontrar análises muito elaboradas sobre cada filme, até por que, mesmo que Gilmour tenha sido um crítico de cinema, ele já afirmou em entrevistas de divulgação do livro, que nem sempre acha muito significativo pensar racionalmente sobre o cinema, pois ele vale mais como uma experiência emocional, que só é válida de verdade, através do ato de assisti-los. Os filmes são apenas um plano de fundo para a “vida real”, mas como muitas vezes “a vida imita a arte”, podemos nos inspirar neles, para nos ajudar a decidir que rumo tomar nos caminhos do nosso futuro.
Mais do que tudo, David Gilmour mudou sua própria visão sobre jovens que não se adaptam à escola, pois pensava que só pessoas com algum tipo de problema ou deficiência não se interessavam. Mas no fim compreendeu, que pode ser natural, saudável e aceitável, que algumas pessoas tenham maiores dificuldades para se adaptarem, já que as instituições de ensino nem sempre acompanham as mudanças de interesse e necessidade de cada geração. De forma nenhuma o autor pretende propor o cinema como um substituto para a educação tradicional, admitindo que o que funcionou para ele e o filho, pode não ser solução para outras pessoas. Antes disso, quer atentar para o fato de que esse tipo de arte – pode ser utilizado como um complemento – que pode servir de incentivo, para que os estudantes valorizem a escola e o estudo como um todo. Provavelmente a experiência de David e Jesse Gilmour serve para abastecer a discussão e combater qualquer crítica que a sétima arte possa sofrer, sobre sua capacidade como ferramenta de aprendizado.
Assista logo abaixo do trailer do livro, as entrevistas com o autor Dvid Gilmour e seu filho Jesse, legendadas em português.
Trailer do livro:
Entrevista:
Entrevista 2: