Recentemente surgiu um debate na internet (onde mais?) sobre de onde surgiu a animação com o primeiro filme live-action da Barbie, sendo que até outro dia era a boneca que promovia um padrão de beleza irrealista, inalcançável e racista.
São vários os fatores para essa excitação. Tem o fator nostalgia – após a pandemia o público se relaciona bem com os ícones de sua infância, como foi o caso do estrondoso sucesso de “Super Mario Bros. O Filme”. Tem o fato de ícones estereotipicamente femininos possuírem menos chances de garantir uma adaptação do tamanho de um blockbuster do que os ícones tidos como masculinos – como é o caso dos diversos filmes de super-heróis e de ação genéricos como “Transformers”. Mas também tem o fator talento, afinal de contas, não tem como não se animar com um filme dirigido pela excelente Greta Gerwig e estrelado por pessoas talentosas como Margot Robbie, Ryan Gosling, America Ferrera, Issa Rae, Kate McKinnon e Will Ferrell.
Voltando à questão corporal, é longa e antiga a discussão sobre a influência negativa da Barbie na autoestima das meninas e na internalização do padrão de magreza e na insatisfação corporal. São vários os estudos que relacionam meninas brincando com a Barbie clássica com o aumento da insatisfação corporal e do desejo por um corpo mais magro – o que contribuiria para um risco aumentado de transtornos alimentares.
O filme se apropria dessas críticas, principalmente em uma cena (ALERTA SPOILER) em que a personagem da Margot que se autodenomina “Barbie Estereotipada” descobre que no “Mundo Real” ela é vista pelas mulheres jovens como uma boneca que atrasou o feminismo, propagou um ideal de corpo irreal, entre outras questões.
Mas não sejamos ingênuos, sabemos que essa apropriação das críticas e esforço de mostrar diversidade corporal (como a empresa Mattel já vem fazendo ao lançar bonecas de vários tamanhos, etnias, etc) é uma forma de reposicionar a marca para uma nova geração que contesta e problematiza muito mais. Parece ser uma tentativa de construir um futuro ao invés de ser só uma peça de nostalgia. Não deixa de ser admirável. Várias vezes fiquei me questionando na sala de cinema como aprovaram um orçamento tão grande para um projeto tão progressista e fora da curva.
Uma das críticas ao longa tem sido não ter dado mais protagonismo à diversidade corporal. Por exemplo: tem Barbies negras (inclusive a Presidente da Barbieland), mas todas dentro do padrão corporal vigente; tem uma Barbie gorda, mas que pouco fala; e uma pessoa com deficiência (PCD) que nem fala tem. Muita gente não se viu representada em tela e para uma Barbie que se diz inclusiva isso não é um ponto positivo. Mas a personagem principal é a Barbie Estereotipada e o foco da história está na sua jornada existencialista em busca da verdade, de propósito e da sua própria identidade. E sendo assim, pouco tempo de tela sobra para outros personagens além do núcleo principal.
Sendo assim, o filme mais acerta que erra. Não passa a mensagem que apenas um tipo de corpo é o certo e nem incentiva comportamentos nada saudáveis (conhecidos também como comportamentos de risco para transtornos alimentares) para ter/manter uma determinada forma física. É bem sucedido em tratar de forma lúdica, leve e divertida o que é o patriarcado e suas consequências. É um filme feminista que acerta em criticar o que a Barbie costumava representar, ao mesmo tempo que tenta construir uma nova imagem pra boneca mais famosa da história. É uma ótima obra satírica, engraçada, reflexiva e emocionante. Chega até mesmo a debater mortalidade. Recomendo! Assista, se divirta e tire as suas próprias conclusões.
Por Muriel H. Depin
Nutricionista especializado em transtornos alimentares pelo Ambulim (Programa de Transtornos Alimentares) do IPq-HCFMUSP (Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo), membro do conselho técnico da ASTRALBR (Associação Brasileira de Transtornos Alimentares) e criador do @obarrigapositiva.