OS FABELMANS | O CINEMA COMO UMA LINGUAGEM DO AMOR

Steven Spielberg tem em seu currículo alguns (muitos) dos filmes mais prestigiados da indústria cinematográfica. Na ativa desde a década de 70, é impressionante ver o diretor e roteirista de quase 80 anos de idade utilizar toda sua experiência profissional adquirida nas últimas décadas para se dedicar ao seu trabalho mais pessoal, e talvez mais apaixonante, até agora. Spielberg poderia ter escolhido qualquer outro momento da sua carreira para contar essa história, que funciona como uma espécie de biografia, mas ter deixado para esse momento em que já é um diretor mais do que consagrado a torna ainda mais especial.

Os Fabelmans não é a biografia de Spielberg, mas chega bem perto. O diretor tem sua imagem e sua vida espelhada em Sam Fabelman (Gabriel LaBelle), irmão mais velho de três meninas, filho de Burt (Paul Dano) e Mitzi Fabelman (Michelle Williams). Eles são uma família judia que se muda para o Arizona, junto com a presença constante de Bennie (Seth Rogen), melhor amigo dos pais, onde passam grande parte dos anos formativos de Sam, durante a década de 60.

Desde que Sam foi levado ao cinema pela primeira vez, sua vida foi permanentemente marcada e o menino passou a ver a vida através das lentes. Ele sempre se mostrou criativo e engenhoso para conseguir colocar em prática as ideias que tinha para seus filmes, usando todos tipo de objetos da casa para criar efeitos e colocando suas irmãs mais novas para atuarem. O amor de Sam pela criação, ficção e por filme no geral é claramente inevitável e bonito de se ver. Conforme cresce, suas produções vão se tornando mais complexas e profissionais e todo seu tempo livre é dedicado para aperfeiçoar suas habilidades e talento nato.

A família se beneficia dessa paixão de Sam de formas diferentes, para suas irmãs é uma forma de participar da vida do garoto e fonte de diversão, para a mãe, que é uma pianista profissional, é um elo entre os dois artistas, um motivo de orgulho que aproxima ainda mais suas personalidades, já para o pai, é uma forma de eternizar momentos, mas sua admiração exige certa distância: para ele, que é um engenheiro hiper racional, a câmera de Sam não deve passar de um hobby enquanto Sam não encontra seu verdadeiro chamado profissional e escolhe uma carreira científica como a dele.

É difícil encontrar um defeito no filme, principalmente por ser uma história tão honestamente humana e relacionável. O maior conflito vem do relacionamento de Burt e Mitzi, entre eles e em relação a Bennie. Burt e Mitzi são intrinsicamente diferentes, além da oposição arte x ciência, os dois têm ideias diferentes de como viver uma vida satisfatória, mas diferenças à parte, os dois conseguem manter uma família amorosa com um ambiente saudável para seus filhos. Acontece que os dois continuam sendo extremamente humanos e, consequentemente, imperfeitos, Burt é inseguro em relação à Mitzi e sua solução é acatar todos seus desejos, passando por cima de suas próprias vontades e fazendo vista grossa para a latente conexão de Mitzi com Bernie, o que acaba sendo o cerne de uma crise no casamento e na família.

Todos os principais acontecimentos da vida de Sam foram causados por ou visto pelas lentes de suas câmeras. Sem nem ao mesmo perceber, seus filmes tomam as rédeas de sua vida e mudam sua relação com os pais, modelam sua imagem perante seus colegas e a sociedade conforme Sam passa da infância para a adolescência e para a vida adulta. O cinema como uma ideia geral é um personagem e um fim por si só em Os Fabelmans, assim como foi na vida de Sam e de Spielberg, talvez nem ao menos como um personagem individual, mas como uma extensão de Sam e de sua essência. Mesmo quando passa por alguns conflitos e decide se afastar da câmera, não nos resta dúvidas de que isso é apenas uma fase e que não existe nenhuma chance de Sam abandonar de vez sua paixão, simplesmente porque Sam (e Spielberg) não seria Sam sem uma câmera na mão.

Os Fabelmans é uma carta de amor de Spielberg ao Cinema, à sua formação, à sua família e sua carreira. É uma história minimalista se considerarmos a ausência de monstros, de efeitos visuais e de grandes catástrofes, mas o que a torna tão especial é que encontra sua força na quietude, nos sentimentos e cotidiano. É claro que estamos falando de um dos maiores diretores de todos os tempos, o que significa que a todo momento o conteúdo primoroso é acompanhado da forma impecável, transformando essa história e esse filme uma experiência completa e incrível de cinema, em que até mesmo assistir parece ser arte.

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