O Brasil é o país com maior número de praticantes do espiritismo, o que não necessariamente reflete numa tolerância religiosa (apesar de termos melhorado como sociedade nesse aspecto, como podemos comparar com a experiência do filme que se passa nos anos 50/60), mas é refletido no cinema brasileiro, que com certa frequência volta a trazer filmes com essa temática, criando até alguns clássicos como “Nosso Lar”. É inegável a influência de grandes nomes do espiritismo como Allan Kardec, Chico Xavier e das obras de Zíbia Gasparetto na nossa cultura, mas ainda existem muitos nomes cujas histórias ricas não foram exploradas. Um desses nomes é o de Zé Arigó, que chamou atenção da mídia, no Brasil e no mundo, no passado, mas não alcançou as novas gerações – pelo menos não até antes desse filme.
José Pedro de Freitas, ou simplesmente Arigó (Danton Mello), como era conhecido, era um homem comum que levava uma vida simples na pacata cidade de Congonhas, Minas Gerais, com sua mulher Arlete (Juliana Paes) e seus filhos. Na cidade pequena, em que todos viviam em comunidade e harmonia, Arigó já era querido pelos vizinhos e amigos, mas tudo isso é posto à prova quando a vida de Arigó muda drasticamente por motivos sobrenaturais.
Sem qualquer explicação, Arigó passa a sonhar com coisas misteriosas e ver o que ele acredita ser o espírito de Dr. Fritz, um médico alemão que atuou – e faleceu – durante a Primeira Guerra Mundial. A princípio, Arigó não entende o que está acontecendo consigo e esse momento de confusão e estranhamento nos é transmitido no filme com cenas carregadas de elementos cinematográficos de suspense e terror, criando uma atmosfera de mistério que se encaixa bem na narrativa, apesar de chegar perto do exagero em um momento ou outro.
Passado o momento de completa incompreensão de sua situação, Arigó recebe a visita do espírito de Dr. Fritz, que lhe traz uma missão: Arigó deve ser seu receptáculo na Terra e, através de seu corpo, o Dr. Fritz atuará para curar pessoas e salvar vidas. A ideia pode ser bonita, mas Arigó sofreria as consequências na prática. Quando incorporado por Dr. Fritz, Arigó perdia seu próprio senso de consciência, ele se tornava o médico, falava com sotaque alemão, prescrevia remédios que Arigó não tinha como saber que existam e, mais importante e preocupante, perdia sua personalidade como Arigó.
Os desafios enfrentados por Arigó é o que embala a narrativa do filme. Primeiramente sua relutância em aceitar dividir seu corpo e sua vida com o médico alemão, abdicando de seus planos pessoais e, principalmente, de suas chances de viver uma vida normal. As consequências se estenderam para sua família, Arlete, sua esposa muito bem representada por Juliana Paes, que diferentemente de seus papéis mais comuns, dessa vez dá vida à uma mulher simplória e sem vaidades, que demonstra uma força inabalável ao se manter ao lado de seu marido diante de todos os obstáculos.
Como se o fato de compartilhar sua existência com um espírito não fosse desafiador o suficiente, Arigó ainda enfrenta a descrença e acusações da igreja católica na imagem de Padre Anselmo (Marcos Caruso), que o persegue ao ponto de conseguir mandar Arigó para a cadeia, apesar do mesmo nunca ter feito qualquer mal. Como a igreja católica era a grande entidade da tradicional cidade de Congonhas, a perseguição de igreja culminava na rejeição de seus próprios colegas e amigos também, acrescentando pedras no caminho já tortuoso de Arigó. Toda essa trajetória é muito bem transmitida por Danton Mello, que faz um trabalho memorável tanto como o simples Arigó quanto como o médico alemão.
O filme dirigo por Gustavo Fernandez, adaptado da obra literária “Arigó: O Cirurgião da Faca Enferrujada” do escritor e jornalista britânico John G. Fuller, mistura bem o estilo brasileiro de cinema com aspectos do cinema norte-americano e traz em seu roteiro eventos muito próximos dos fatos comprovados da vida de Arigó, tendo como fonte documentos, memórias da família de Arigó e estudos que testaram a mediunidade e as curas performadas pelo brasileiro.
“Predestinado: Arigó e o Espírito de Dr. Fritz” é um filme espírita, mas também pode ser levado como um bom filme de ficção caso essa não seja sua crença. De qualquer forma é um filme emocionante, com boas atuações e um bom representante do cinema brasileiro.
