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“Menina usa rosa, menino usa azul”. “Homossexualidade se tornou um modismo (…) existe o caminho inverso”. “O sangue de um homossexual pode contaminar o sangue de um heterossexual”. Apesar de parecerem típicas frases de décadas passadas, foram recitadas menos de dez anos atrás. E só foram ganhando força desde então. Figuras poderosas se viram no direito de discursos de ódio afim de transmitirem suas visões de mundo e estabelecerem como o certo. A relação do cenário brasileiro com o vencedor do Grande Prêmio do Júri, no Festival de Sundance do ano passado ganha ainda mais força com o ocorrido em 2014, ano em que o projeto da Cura Gay fez barulho e ainda recebeu apoio da bancada evangélica.

O constante discurso sobre homossexualidade ser uma doença – ou um erro – resultou em movimentos de ódio e violentos. Infelizmente, é um cenário que está difícil de perder força, e em pleno 2019. Por isso, mesmo que O Mau Exemplo de Cameron Post trabalhe uma narrativa ambientalizada em 1993, faz um paralelo perfeito com este ano.

Curiosamente, o longa é lançado no mesmo ano de outro grande paralelo: Boy Erased – Uma Verdade Anulada. É curioso ver dois filmes atuais tratando do mesmo assunto. Diante esta situação, é preciso ter um olhar mais atento sobre essa ocorrênca, porque é algo a ser analisado. Cinema – como amo defender – é uma representação artística da realidade e por isso obras como as duas citadas, ao invés de serem só comparadas, precisam ser analisadas como um estudo do que ainda acontece. Tanto que, o próprio trailer de Boy Erased transmite o dado de que 77 mil pessoas ainda estão em terapia de conversão.

Aqui, a obra em questão, refere-se ao trazer um cenário mais abrangente, ainda mais colocando uma menina como protagonista, enquanto o longa de Joel Edgerton foca na realidade masculina. Neste ponto, O Mau Exemplo de Cameron Post conquista mais por justamente conversar com um público mais amplo e trazer uma realidade também existente no lado feminino – além de contar também com personagens masculinos durante a trama. Apesar de diferentes nesta escolha técnica, os dois possuem um fator em comum e peça fundamental da realidade retratada: a religião.

Não estou aqui para realizar críticas a crenças, mas sim, analisar o tratamento utilizado por Desiree Akhavan no longa. O roteiro, escrito por ela ao lado de Cecilia Frugiuele, também não realiza críticas, porém, apresenta as situações de forma crua. A partir da personagem de Chloe Grace Moretz, o espectador é transportado para uma realidade dolorosa, mas que não é apresentada de forma maligna. Desiree é muito madura em realizar uma direção estável, apesar de seu lado, claramente, tomado. A crítica sobre o sistema criado é desenvolvido através das personagens, já que sua direção mantém o mesmo padrão durante toda a narrativa.

Chloe é o ponto chave para toda essa história ganhar a força e importância que tem. A atriz se demonstra leve em tela, com uma interpretação muito diferente de suas obras passadas, entregando uma atuação muito madura para a personagem em questão. Mesmo jovem, há questões e atitudes tomadas que demonstram um amadurecimento paralelo com o da atriz, característica que justamente encanta o espectador.

O texto das duas cineastas também transmite uma leveza diante um entorno pesado. Há muitos elementos, não só de diálogos, mas da própria montagem, semelhantes com obras de Greta Gerwig. Não há o mesmo dinamismo, por sua vez, até pelo tratamento mais artístico de Desiree, no entanto, trocas de cenas são semelhantes, com cortes secos para situações que não, necessariamente, possuem ligação direta entre si. O humor é outra grande semelhança entre os longas, pelo fato de ser algo mais seco e mais direto. O texto não constrói situações cômicas, mas diálogos mais crus acabam dando um tom mais humorístico para a situação, porém, mantendo um ar crítico de todo o cenário envolvendo os personagens. Entretanto, é indiscutível a diferença entre os longas, até pelas realidades tratadas.

Desiree, depois de ter sua série The Bissexual rejeitada em 2015, não sente medo em provocar. E precisa. Afinal, toda a realidade demonstra um cenário contrário ao desejado àqueles que esperam o mínimo: viver felizes, sem serem incomodados. O brilhantismo na obra da americana com Cecilia está em realizar as provocações sem um discurso expositivo ou interrompendo a narrativa para uma lição moral, algo comum em filmes característicos. O texto ensina e passa a visão das duas da melhor maneira possível e tudo de forma leve, porém, pesada. Esse contraste, apesar de existir, é o que encanta na narrativa. A leveza existe para trazer o espírito jovem dos personagens, no entanto, o ambiente e a ideologia imposta por aqueles que se enxergam como “corretos” resultam em ações, psicológica e fisicamente violentas. E como citado, Chloe sustenta essa ambiguidade perfeitamente, junto com todo o elenco juvenil e adulto.

Na parte jovial, Sasha Lane, Forrest Goodluck e Emily Skeggs, mesmo com carreiras ainda curtas, demonstram um potencial ainda não totalmente explorado, mas que consegue satisfazer com seus personagens. Do outro lado, John Gallagher Jr. e Jennifer Ehle se destacam com suas interpretações, até por trabalharem com personagens essencialmente poderosos e que funcionam perfeitamente como um retrato de grandes personagens da vida real atualmente. Por sua vez, O Mau Exemplo de Cameron Post não termina sua história com um ar positivo. E nem deveria. Afinal, dados mostrados aqui ainda comprovam como essa suja realidade é presente.

Desiree não entrega uma obra prima, porém, uma obra necessária, não para mudança, mas sim para o início de uma reflexão e um olhar ainda mais crítico àqueles que impedem a felicidade terceira por visões de mundo e ideologias diferentes. Diferenças essas que resultam em exclusão, violência e morte. No fim, O Mau Exemplo de Cameron Post é um bom exemplo de como provocar através de reflexões.

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