SINOPSE

“Que Horas Ela Volta?” (2015) vem impressionando com sua repercussão internacional de forma a empolgar todos que torcem para que um dia algum de nossos longas-metragens seja reconhecido com um Oscar de Melhor Filme Estrangeiro ou até de Melhor Atriz. Prova disso é que foi mencionado, como forte candidato ao prêmio da academia norte-americana, pelo blog Indiewire, um dos mais conceituados veículos independentes sobre cinema dos Estados Unidos. Desde “Central do Brasil” (1998) que nosso cinema não tinha um candidato tão forte e unânime entre a crítica internacional, recebendo aplausos a cada exibição. Tanto que Regina Casé e Camila Márdila ganharam o Prêmio Especial do Júri na categoria de Interpretação de Cinema Mundial no Festival de Sundance e o Prêmio de Melhor Filme para o público no Festival de Berlim, ambos em 2015.

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Anna Muylaert demonstra toda sua experiência adquirida com trabalhos anteriores, que já impressionavam por sua qualidade e diversidade de gêneros. Em “Durval Discos” (2002) apresentou uma narrativa cômica e nostálgica, com os cativantes Ary França e Etty Fraser nos papéis principais e com uma trilha sonora marcante. Com “É Proibido Fumar” (2009) se arriscou satisfatoriamente no suspense, um tipo de linguagem pouco explorado na cinematografia nacional, extraindo ótimas atuações de Glória Pires e Paulo Miklos. “Chamada à Cobrar” (2012) foi um thriller, que apesar de soar caricato em alguns momentos, não deixa de ser inovador e corajoso se destacando por seu enredo pouco comum no cinema brasileiro e que já abordava um conflito de classes, mesmo que de maneira específica.

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Ela tem ainda no currículo filmes para TV, como “E Além de Tudo Me Deixou Mudo o Violão” (2013/TVE) e o seriado “Preamar” (2012/HBO). Além disso já era conhecida como roteirista de obras audiovisuais que atestam sua qualidade como contadora de histórias. Geralmente em parceria com o diretor Cao Hamburger, começou nos anos noventa com o saudoso “Castelo Rá-tim-bum” (1999), passando por longas-metragens como “O Ano em que Meus Pais Saíram de Férias” (2006), “Xingu” (2012) e “Irmã Dulce” (2013).

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‘Que Horas Ela Volta?’ é uma produção tecnicamente impecável, que explora temas historicamente relevantes para a sociedade brasileira, representados de forma sintonizada com nosso tempo. O pós-eleições de 2014 e as discussões e embates entre as diferentes classes estão presentes de forma didática e realista, remetendo as mais diversas camadas sociais. Temos a empregada retirante que convive em uma simbiose artificial com os patrões da classe média alta, mas deixando claro as diferenças de cotidiano. Uma relação que só desperta conflito, devido a evolução geracional presente na mudança de pensamento que a personagem da filha dela encarna. Posicionamento esse que só se tornou possível com a recente possibilidade de acesso das classes mais pobres a uma educação básica e superior.

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Seu ponto mais forte está na construção da interpretação da personagem Val (Regina Casé), que consegue se expressar tanto de maneira contida, quanto engraçada, nunca parecendo exagerada e nos fazendo relembrar de trabalhos anteriores como o excelente “Eu Tu Eles” (2000). Qualquer um que já tenha convivido com as incontáveis domésticas do nosso país, vai reconhecer a verdade dos seus trejeitos e diálogos. Principalmente nos momentos em que contracena com a filha Jéssica (Camila Márdila), ambas conseguem transmitir verdade na relação mãe e filha presente em todas as famílias.

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E quando as duas se juntam à patroa Barbara (Karine Teles) – atriz premiada por “Riscado” (2010) – são os momentos em que o filme atinge seu ápice como instrumento de reflexão. As cenas que envolvem as “brigas sociais domésticas” deixam o espectador desconfortável, logo após os recompensando com inteligentes alívios cômicos, de forma que que o público não consiga se sentir indiferente ao que vê, efeito que só obras de excelência narrativa conseguem obter. E quando entramos no quarto em que a empregada dorme é que fica evidente que ainda temos diferenças na forma superior e inferior que cada pessoa é tratada em nossa sociedade.

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O conceito social eternizado por Gilberto Freyre, “Casa Grande e Senzala”, ainda não foi totalmente posto em desuso em nossas cidades. Ainda restam fronteiras sociais, étnicas e financeiras, de forma muito evidente, dentro dos nossos lares. Muitas casas ainda mantém o “quartinho da empregada nos fundos”, quase como uma senzala moderna e em muitos casos com jornadas de trabalho análogos ao de escravos. E essa não é uma prática contemporânea, que ainda não tivemos tempo de modificar, vide “O Primo Basílio” lá no longínquo ano de 1878, mas parece que ainda restam rastros do comportamento da família burguesa urbana do século XIX. Barreiras que só são quebradas nos momentos em que o filho dos empregadores troca o conforto de seu quarto, pelos carinhos maternos da empregada que o criou e o trata com mais compreensão.

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Essa temática já havia sido abordada em longas anteriores, como em “Domésticas: O Filme” (2001), de Fernando Meireles, no documentário “Doméstica” (2012), nas adaptações de ‘O Primo Basílio’ (1988 e 2007) e até mesmo em outro excelente destaque de 2015 “Casa Grande”. Até em produções estrangeiras, como “La Nana / A Criada” (2009/Chile) e “The Help / Histórias Cruzadas” (2011/EUA). Mas, sem sombra de dúvidas ‘Que Horas Ela Volta? ’ é mais efetivo em comunicar seu discurso e provavelmente vai conseguir unir a profundidade do roteiro, com um sucesso de público que só as repetitivas comédias nacionais têm obtido nos últimos anos. Entretanto, nele a comédia é só um recurso a mais, dentre todos que a obra oferece, por isso tem sido reconhecido fora do Brasil e com certeza vai deixar sua marca na história como um dos melhores de 2015 e das últimas décadas do cinema brasileiro.

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Trailer do Filme:

 

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