7.9/10

A Substância

Director

Coralie Fargeat

Cast

Demi Moore, Margaret Qualley, Dennis Quaid

Writer

Coralie Fargeat

Company

MUBI

Runtime

140 minutos

Release date

19 de setembro de 2024

A trama segue Elisabeth Sparkle (Demi Moore), uma atriz em decadência que, em busca de juventude eterna, se submete ao uso de uma substância aparentemente milagrosa que promete criar uma nova e melhorada versão de si mesma. É a partir de então que surge Sue (Margaret Qualley), trazendo consigo consequências inimagináveis que se manifestam de forma grotesca, à medida que as personagens embarcam em uma espiral de insanidade e destruição.

Há filmes que te fazem pensar, há filmes que te fazem sentir e, ocasionalmente, filmes que demandam os dois. “A Substância”, novo filme escrito e dirigido por Coralie Fargeat e vencedor do prêmio de Melhor Roteiro no Festival de Cannes, é o tipo de filme que você não vai esquecer, inevitavelmente. Seja pelo body horror, ou horror corporal, pela direção que foge do convencional ou pelas atuações, “A Substância” demanda sua atenção e faz com ela o que bem entende. Desde a primeira cena você entende que está prestes a assistir algo especial, mas nada pode te preparar para o que você assistirá de fato. É insano e impressionante que esse seja apenas o segundo longa de Coralie Fargeat, que conta essa história com a confiança e firmeza de uma cineasta com longos anos de experiência (ou de um homem heterosexual mediano), capaz de inserir o espectador não só no universo criado, mas também na mente disfuncional e estranhamente familiar de sua protagonista, Elisabeth Sparks (Demi Moore) ou Sue (Margaret Qualley). 

Poucas vezes (ainda mais em 2024) um filme me causou uma reação tão visceral no cinema, as reações audíveis e inevitáveis do público se juntaram à trilha sonora desconcertante do filme para criar uma ambientação que se distancia e aproxima do nosso universo real a todo instante. “A Substância” também é uma experiência que é mais interessante quanto menos você sabe sobre ela com antecedência, então essa crítica pouco falará sobre o enredo em si, além do que a sinopse já deixa claro. Elisabeth Sparkle é uma celebridade cuja carreira já teve seu ápice alguns bons anos atrás, mas ela ainda colhe os frutos da fama enquanto apresenta seu programa matinal de exercícios na TV, é tudo bem Jane Fonda nos anos 80 e, apesar de repetitivo, é suficiente para Elisabeth – até que ela acidentalmente ouve Harvey (Dennis Quaid), o produtor do programa, dizer que ela está velha e será, em breve, substituída por uma apresentadora mais nova. 

Coincidentemente, Elisabeth esbarra numa nova e misteriosa droga do mercado ilegal, chamada de “Substância” e que promete “criar” uma nova e melhorada versão de si mesma. É uma proposta irrecusável para Elisabeth, apesar de não haver qualquer garantia, procedência comprovada ou um rosto/nome ligado à droga e depois de passar por lugares mais que duvidosos para colocar as mãos na droga, ela a injeta e assim surge Sue, sua versão “melhorada” que mostra, ainda mais, como a vida é diferente para alguém mais novo, mais bonito e mais desejável dentro dos padrões da sociedade. Você até pode imaginar as consequências que essa droga e seus excessos causam, mas sua imaginação não chegará nem perto de onde Coralie Fargeat realmente te levará. Com 2 horas e meia de filme, acompanhamos a busca incansável e sem limites de Elisabeth para ser tudo aquilo que esperam dela e é uma jornada eletrizante e desesperadora, tanto para ela quanto para nós.

Muitas decisões destacam “A Substância” como filme. A crítica de Coralie Fargeat é óbvia desde o princípio, mas é a forma como ela é feita que realmente faz a diferença. O filme usa os extremos e os excessos como fundação para mostrar uma realidade que é quase a nossa, mas não exatamente. O tempo é indefinido, o que mostra a atemporalidade do próprio tema abordado, os personagens são limitados em quantidade, apenas Elisabeth, Sue e Harvey são realmente relevantes, mas carregam em si o suficiente para representar papéis-chave da nossa sociedade e o foco em Elisabeth e Sue podem demonstrar a solidão dessas mulheres ao mesmo tempo em que dá espaço para as personagens se desenvolverem diante dos nossos olhos. Harvey traz em si o pior (e o mais comum) que qualquer homem pode oferecer. Até mesmo o olhar aqui é exagerado também, os ângulos, zooms e movimentos de câmera que falam diretamente com o male gaze tão comum dessa indústria, mas o ressignifica completamente. 

Como uma mistura de suspense e terror psicológico, “A Substância” se consagra no gênero do horror usando o horror corporal como elemento principal (não é um filme para quem tem estômago fraco ou está de estômago cheio), um contraste genial com a cultura de culto à beleza e aparência que o filme retrata e reflete sobre. Enquanto a forma do filme vai ficando mais abstrata conforme seu desenvolvimento, sua temática também se aproxima ainda mais da nossa realidade, sobretudo em relação ao modo como a mulher é vista, não só pela sociedade, mas por si mesma. Elisabeth é ao mesmo tempo uma consequência do problema e a causa dele, assim como somos todas nós. A necessidade de ser amada e reconhecida por todos vem junto com vontade de calar o ódio que nutre por si mesma. 

É impossível assistir “A Substância” e se manter inerte ou indiferente à ela, seja para amar ou para odiar. Assim como todo grande filme deve ser, fará com que você sinta muitas coisas – e o desconforto é uma delas. Demi Moore e Margaret Qualley fazem um trabalho excepcional para dar vida às personagens criadas pela mente genial de Coralie Fargeat, que se consagra com louvor como uma grande, inovadora e destemida diretora com um dos melhores (o melhor, na minha opinão) filme de 2024.

 

Por Júlia Rezende

10

Mission Accomplished

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