Assassino Por Acaso

A bilheteria mundial dos cinemas em 2024 tem sido extremamente insatisfatória, sobretudo nos Estado Unidos. Existem diversos fatores que influenciam direta e indiretamente para esse resultado, os streamings estando entre os principais. Muito se fala sobre o fato de que os filmes chegam rápido demais nas plataformas digitais e diminui a intenção do público de ir ao cinema. Tem filmes que, de longe, podemos perceber que não valem o valor do ingresso (que pode ser muito alto, por sinal), apesar de seus orçamentos estrondosos. Assassino Por Acaso é o oposto de tudo isso. Nos EUA, o filme foi vendido para a Netflix e será lançado diretamente no streaming, seu orçamento foi de apenas 10 milhões de dólares e sua venda valeu 20 milhões – ele também é um grande filme, que certamente vale cada centavo do ingresso e, para a nossa sorte, chegará nos cinemas brasileiros através da Diamond Films.

Filmes com romance como enfoque e um roteiro verdadeiramente original são cada vez mais escassos, e isso só aumenta o mérito de Assassino Por Acaso, que traz uma trama criminal inteligente, romance acompanhado de intimidade e um estilo de comédia genuíno, que não subjuga o espectador. O fato de se tratar de uma história baseada em eventos reais torna o filme ainda mais interessante. Gary Johnson, o personagem principal, foi inspirado num Gary Johnson real, um homem comum que passou a trabalhar infiltrado como “assassino de aluguel” para a polícia, ajudando a prender aqueles que procuravam um profissional para acabar com a vida de algum conhecido. É uma história interessante por si só, e ganha ainda mais força com as liberdades artísticas tomadas pela direção de Richard Linklater (que também assinou o roteiro, junto com Glenn Powell). 

Glenn Powell é um dos artistas mais disputados de Hollywood no momento e essa fama se prova, mais uma vez, justificada em Assassino Por Acaso. Powell tem todas as características de um verdadeiro galã de Hollywood, incluindo o talento e o carisma e os dois estão em seu ápice nesse filme, principalmente porque Gary Johnson não começa um galã, ele é apenas um professor de filosofia no ensino médio e é o oposto de memorável. Suas roupas são de tons neutros, seu carro é genérico, sua aparência é absolutamente comum e sua vida parece um tanto “vazia”. Tirando seus gatos e seu emprego, a única coisa que realmente “acontece” na vida de Gary é o trabalho que ele faz para a polícia em seu tempo livre, auxiliando na parte técnica das escutas policiais, mas sua pacata vida começa a tomar um rumo completamente diferente quando ele é obrigado a entrar em campo e trabalhar ele mesmo como agente infiltrado, disfarçado de assassino de aluguel para prender as pessoas que procuram por esse tipo de serviço.

Assassino Por Acaso (e o Glenn Powell) encanta pela sua construção, como  Gary passa de professor sem graça para mil e um personagens diferentes enquanto infiltrado (segundo ele, cada pessoa tem, em sua mente, uma imagem diferente de um assassino de aluguel, e ele está disposta a ser todas elas) – e como sua vida só começa a fazer um real sentido depois que sua personalidade é dividida em tantas outras. O fato de Gary ser um professor de filosofia não é por acaso, há uma relação direta entre a nova vida (ou nova personalidade) de Gary e a teoria de Freud a respeito da estrutura da psique, e apesar de acessível, não é uma correlação óbvia a ponto de se tornar super expositiva. Além de estabelecer a base de Gary, suas experiências como pessoas completamente opostas a si também são fonte dos momentos mais engraçados do filme, cheios de referências a grandes momentos do cinema e feitos com muito esmero por parte de Glenn Powell.

Além da trama criminosa, recheada de reviravoltas, Assassino Por Acaso é também um romance – e dos bons. Enquanto Gary trabalha infiltrado, conhece Madison (Adria Arjona), uma mulher que tentava o contratar para se livrar de seu marido abusivo e o instinto protetor de Gary logo o leva a querer ajudá-la, mas as coisas não são exatamente como parecem ser. Quebrando os protocolos de seu trabalho, Gary e Madison começam a se relacionar e a química entre os atores nos levam a cenas sensuais muito bem feitas, e cada vez mais raras no cinema, garantindo um filme não somente engenhoso ou engraçado, mas também sexy e instigante, na mesma proporção.

Por Júlia Rezende