Atiraram no Pianista

A animação documental, “Atiraram no Pianista”, dirigido por Javier Mariscal e Fernando Trueba, brilha em vários aspectos ao mergulhar na influência da bossa nova no mundo e ao examinar um período sombrio da história latino-americana: a ditadura militar. O músico brasileiro Francisco Tenório Júnior é o fio condutor desta narrativa, e sua história é contada de maneira tocante.

O filme foi a escolha para abrir a 25° edição do Festival do Rio, que ocorreu do dia 5 e 15 de outubro. A escolha de ser o filme de abertura faz sentido pela narrativa mostrar um grande amor pela cidade maravilhosa e figuras potentes da nossa história, mesmo se tratando de uma produção estrangeira.

O longa conta a história de um jornalista americano Jeff Harris (Jeff Goldblum), que é encantado pela bossa nova e a mistura que mais tarde viraria o samba jazz, e que decide escrever um livro sobre o movimento. Mas a direção do tema do seu livro muda quando ele conhece a história do pianista brasileiro Tenório Júnior, que desapareceu em 1976 em Buenos Aires, na Argentina, época que o país estava prestes a sofrer um golpe militar. Na época, Tenório fazia uma série de apresentações ao lado de Vinicius de Moraes e Toquinho, quando, na madrugada, deixou seu hotel para comer alguma coisa e nunca mais voltou.
Jeff se reúne com grandes nomes da música brasileira, além de entrevistar parentes e amigos de Tenório Júnior, em busca de mais respostas para o caso que nunca foi totalmente investigado. Mesmo se tratando de uma animação e o personagem do jornalista não ser real, os encontros com todas as personalidades realmente aconteceram.

A ideia de fundir um documentário sobre música e investigação com uma ficção animada é uma abordagem inteligente, que permite tratar uma história baseada em fatos com maior liberdade criativa visual. E a dupla de diretores, Javier Mariscal e Fernando Trueba, conhecidos por trabalha na animação indicada ao Oscar, “Chico e Rita” (2014), sabem criar uma estética visual única. Para “Atiraram no Pianista”, os diretores criaram uma técnica de animação única através da rotoscopia com a ajuda do quadrinista brasileiro Marcello Quintanilha, que brinca com as cores para refletir os diferentes sentimentos transmitidos nas mudanças de tons da narrativa.

Quando Jeff viaja de Nova York para o Rio de Janeiro é possível ver cores vibrantes, que mostram momentos importantes e felizes ao explorar o nascimento dos gêneros musicais, principalmente, nas cenas que mostram os bares e boates onde o samba jazz e a bossa nova estavam virando tendência. Já nos momentos mais tensos e triste sobre a morte de Tenório e um breve recorte sobre os horrores da ditadura militar, a estética do filme são cores em tons mais escuros e monocromáticos, remetendo a falta de vida desses ambientes hostis.

O único problema do longa está em sua montagem que vez ou outra acaba perdendo o foco dos acontecimentos principais. É visível o material rico que os diretores tem em mãos e acabam se perdendo ao querer mostrar tudo e não sabendo domar muito bem em como abordar os assuntos, criando alguns momentos muito didáticos e maçantes, que acabam fugindo um pouco da história central do filme.

É interessante analisar o olhar dos gringos sobre a cultura brasileira e neste filme é feito de maneira respeitosa, fugindo dos estereótipos. Além disso, ter o ponto de vista de Jeff é cativante e oferece uma conexão pessoal à história. A inclusão de personagens fictícios, como a editora de Jeff e seu amigo brasileiro João (dublado por Tony Ramos), também adicionam camadas à narrativa.

Por fim, “Atiraram no Pianista” é uma carta de amor à bossa nova e uma denúncia potente das ditaduras latino-americanas. É se destaca a criar um documentário totalmente animado para contar uma história tão complexa e importante sobre a luta contra a ditadura, tendo como objetivo dar visibilidade para uma figura que por muito tempo foi desconhecida pelo próprio país. Além disso, é visualmente deslumbrante e emocionalmente envolvente que certamente deixará sua marca no cinema de animação e também do gênero documental.

O filme está previsto para estrear nos cinemas no dia 26 de outubro.