Estômago II: O Poderoso Chef
Director
Marcos Jorge
Cast
João Miguel, Nicola Siri, Paulo Miklos
Writer
Bernardo Rennó, Lusa Silvestre e Marcos Jorge
Company
Paris Filmes
Runtime
130 minutos
Release date
29 de agosto de 2024
“Estômago” lançado em 2007 é o tipo de filme que chega com tudo e se torna um clássico instantâneo. A trajetória gastronômica de Raimundo “Alecrim” Nonato (João Miguel) passava pelos mais inesperados obstáculos até terminar na prisão. O que tornou “Estômago” especial, foi resultado da soma de personagens incrivelmente interessantes e verdadeiros, a temática dúbia e envolvente, atores excelentes e, sobretudo, sua brasilidade. João Miguel criou um Raimundo Nonato crível, engraçado e inesperadamente ácido e todos ao seu redor seguiam no mesmo nível de qualidade. O crime é um aspecto presente, mas apenas a ponta do iceberg de uma história cuidadosamente construída em cima de uma base de drama, comédia e um certo toque de suspense. Por ser uma obra completa, quando a sequência Estômago II: O Poderoso Chef foi anunciada, a ideia foi recebida por grande parte dos fãs (e me incluo nessa lista) com desconfiança. É triste assistir ao filme e constatar que essa desconfiança, apesar de precoce, acabou se justificando.
É fácil perceber quando uma sequência existe porque a narrativa do primeiro filme pedia ou dava espaço para uma continuação e quando ela existe somente para tentar aproveitar financeiramente o sucesso inicial. Infelizmente, o caso de Estômago II: O Poderoso Chef é esse último. O título diz muito, senão tudo, sobre a história que acaba contando. Do começo ao fim, o roteiro parece a ideia de alguém que é muito fã de “O Poderoso Chefão” e queria uma desculpa para fazer uma versão abrasileirada do clássico quando pensou em “chefe” e “crime” e chegou no Raimundo Nonato. A primeira vez reencontramos Alecrim é promissora, ele continua como chef de cozinha na prisão e mantém sua posição de privilégio por conta disso, caindo nas graças do chefão da prisão e da polícia ao mesmo tempo, o problema é que, depois disso, Raimundo Nonato cai no esquecimento e se torna mero coadjuvante, ou melhor, um mero observador, de uma história absolutamente diferente.
“Estômago II: O Poderoso Chefão” se afasta do material original de todas as formas possíveis, em conteúdo e estética. O protagonismo agora é de Dom Caraglio (Nicola Siri), um mafioso italiano meio brasileiro que acaba na mesma prisão de Raimundo Nonato. Com a sua chegada, o filme se divide em mostrar o presente, em que Dom Caraglio arruma briga com Etecétera (Paulo Miklos) para assumir a liderança dos presidiários, e o passado, que mostra a ascensão de Dom Caraglio no mundo do crime. É uma mudança drástica, o que um dia foi uma produção mais próxima da realidade brasileira deu lugar para um filme com cara de mega produção, um ar de Hollywood e focada nas entranhas da máfia italiana, com um toque de culinária. Onde Raimundo Nonato se encaixa nessa nova narrativa? Ele não se encaixa. Seu papel é reduzido a alívio cômico, aparecendo entre cenas apenas para reagir de forma engraçada, com seu jeito já característico, aos eventos que ocorrem na prisão. É um desperdício inacreditável do talento de João Miguel e do legado de “Estômago”. É ainda mais surpreendente que ambos os filmes tenham sido dirigidos por Marcos Jorge, serve para mostrar a pluralidade do diretor, mas faz pensar que ele realmente encarou os dois como entidades 100% independentes entre si.
A história de Dom Caraglio poderia ser divertida o suficiente, se tivesse seu próprio filme e pouca pretensão, as atuações são sólidas, os novos personagens têm personalidades convincentes e a máfia italiana, apesar de muito representada no cinema, segue como uma temática interessante para filmes de crime. O grande problema, no entanto, foi juntar essa história, que tem seu começo, meio e fim, a um filme com o qual pouco tinha em comum e dar ao público a esperança de que veríamos novamente o Raimundo “Alecrim” Dourado que deixou uma grande impressão, só para descobrir que ele seria apenas um acessório numa história que não lhe pertence.
Por Júlia Rezende