Folhas de Outono
Director
Aki Kaurismäki
Cast
Alma Pöysti, Jussi Vatanen, Martti Suosalo
Writer
Aki Kaurismäki
Company
O2 Play
Runtime
81 minutos
Release date
30 de novembro de 2023
Quando um filme (ou um diretor, se preferir) sabe o quer ser, entende seu propósito e segue sua linha de raciocínio até o fim, é praticamente certo que o resultado será positivo. Aki Kaurismäki é um dos diretores que levam esses passos à risca e não decepcionam e com “Folhas de Outono”, ele talvez tenha alcançado um patamar ainda mais elevado. O filme está longe de ser uma fantasia, mas Kaurismäki criou nele um universo único, cujo diferencial está na quietude, na melancolia e, surpreendentemente, num otimismo tímido, mas vivo e presente. Não há picos de qualquer sentido, nenhum excesso, nada fora do lugar, mas ainda há emoção na trama e conexão entre os (também quietos) personagens e o espectador.
Em meio a filmes caracterizados pelo espetáculo, vez ou outra aparecem aqueles que triunfam na quietude – são raros, já que é mais fácil impressionar com grandiosidades do que com sutilezas, mas “Folhas de Outono” é, sem nenhuma dúvida, um deles. Talvez até mesmo um dos melhores entre eles. O enredo é simples, assim como os personagens, os cenários, os diálogos, mas se engana quem associa simplicidade com superficialidade. Conseguir passar sua mensagem efetivamente numa ambientação minimalista é um enorme desafio, mas aqui a história é retratada de um modo tão natural que nenhuma outra roupagem caberia nessa narrativa sobre encontros e desencontros, solidão, esperança e vícios, em que o principal é transmitido pelas entrelinhas.
O centro dessa história é o relacionamento entre Ansa (Alma Pöysti) e Holappa (Jussi Vatanen), duas pessoas que se conhecem num bar de karaokê em Helsinki, eles trocam olhares discretos na noite em que o amigo de Holappa canta e depois tenta conseguir o número de uma amiga de Ansa, mas os dois não se falam. Quando se encontram novamente pelo acaso, ainda são desafiados por confusões e desencontros, mas a vontade de estarem juntos segue presente para ambos. O desafio, inclusive, não está apenas nos imprevistos, mas nos seus próprios hábitos e vícios. Ao que tudo indica, a partir do que aprendemos sobre ambos, eles não seriam “compatíveis” à primeira vista, apesar de terem em comum uma situação que torna crível seu envolvimento: a solidão.
Ansa começa trabalhando num mercado que mais parece uma prisão, ela tem colegas, sai para se divertir, mas mora sozinha num apartamento pequeno que herdou da família, está sempre ouvindo músicas melancólicas – quando não está ouvindo atualizações sobre a guerra da Rússia e Ucrânia, que está acontecendo ali do lado -, quando se interessa de verdade por Holappa, compra mais um prato e talheres, já que estava tão acostumada em estar sozinha que, em casa, tinha apenas uma unidade de cada. Já Holappa morava numa espécie de pensão do trabalho (ele trabalha em construções), dorme numa cama menor que ele e não tem um espaço para chamar de seu, mas tem como fiel escudeiro o álcool e as atualizações sobre a guerra, apesar de constantes, também são mero som de fundo em sua vida.
Ambos Ansa e Holappa passam por profundas transformações por terem se encontrado e são diversos os elementos (seja no cenário, nos diálogos ou até mesmo na trilha sonora) que demonstram essas mudanças sem que elas tenham que ser proferidas ou explicadas por eles. É um romance discreto, de poucas palavras, mas muitos significados e carisma a transbordar. Do mesmo jeito que a trama transforma seus protagonistas, deixa também no espectador sensações difíceis de se esquecer e sem necessidade de se explicar.
Por Júlia Rezende