Instinto Materno

Alice (Jessica Chastain) e Celine (Anne Hathaway) são vizinhas e melhores amigas inseparáveis, tanto que suas famílias também se tornaram uma só, seus maridos também são amigos e seus filhos são criados como irmãos. São clássicas famílias felizes dos anos 60, Alice e Celine são donas de casa, participam ativamente dos eventos da escola das crianças e são bem-quistas pelo bairro, os maridos saem para trabalhar e aparecem no final do dia com um abraço para a família. É claro que elas têm suas questões, Celine gostaria de ter outro filho, mas não consegue e Alice gostaria de voltar à sua carreira de jornalista, além de ser uma mãe superprotetora. 

Esse cenário quase perfeito se transforma num cenário digno de um filme de terror quando uma tragédia acontece e Max (Baylen D. Bielitz), o filho de Celine, perde a vida. É um momento de ruptura nas vidas das amigas e no filme também, a fina camada de aparências é quebrada quando ambas são obrigadas a encarar uma situação impensável. E a situação é pior porque Alice estava presente no momento do acidente e se sente, de certa forma, culpada pela morte de Max, uma culpa que, aos poucos, se torna também um personagem presente na narrativa, às vezes agindo como antagonista de Alice e outras como companheira de Celine. Enquanto Alice e seu marido (Anders Danielsen Lie) se esforçam para seguir a vida da forma mais “normal” possível, até mesmo para o filho, as coisas estão muito mais difíceis na casa de Celine, que começa a demonstrar os primeiros indícios de um desequilíbrio emocional. Sua atitude errática se transforma numa ameaça aos seus de Alice, que acredita que Celine está se aproximando de seu filho como uma forma de vingança pela morte de Max. 

O roteiro é baseado no livro homônimo de Barbara Abel, e traz uma narrativa construída com inteligência e um suspense nato. As nuances e camadas das psiques das protagonistas têm o potencial de criar uma história tão complexa quanto – todos os elementos de um thriller de sucesso: a tensão, a ansiedade, os elementos de terror e, sobretudo, as atuações impressionantes. Anne Hathaway e Jessica Chastain estão, sem dúvidas, entre as atrizes mais talentosas de sua geração e, em Instinto Materno, isso não muda. As duas sabem o que fazer com suas personagens, demonstrar seus medos e desesperos, com sutileza ou com exageros, quando necessário. É a química entre elas, inclusive, que eleva o nível do filme e o salva do esquecimento,  uma vez que a direção de Benoît Delhomme conduz a história pelo caminho mais seguro e menos habilidoso, deixando de explorar o oceano de possibilidades que o roteiro e a excelência de seu elenco oferecia. 

Quando se fala em instinto materno e a dor da perda de um filho, a história pode alcançar um grau de intensidade praticamente sem limite, e por mais que os aspectos do terror estejam presentes, Delhomme poderia ter ido além para criar um filme realmente marcante. Ainda é um bom terror psicológico, que merece atenção por tudo que apresenta, uma direção de arte interessante e a confusão mental das personagens, transmitida ao espectador.

Por Júlia Rezende