Desde quando a humanidade ousou se reconhecer como uma sociedade, há sempre uma parte da população que dispõe de mais poder do que o restante – tanto faz o arquétipo social, regime político ou modelo econômico vigente. De “Parasita” a “Bacurau”, de “Chernobyl” a “Kursk – A Última Missão”, os detentores de poder pisam nos demais, o interesse de poucos se sobressai aos da maioria: resumindo, assim como disse uma vez Thomas Hobbes, o homem é o lobo do homem.
Em O Preço da Verdade, filme estrelado por Mark Ruffalo que conta a história do advogado que confrontou a empresa química DuPont, vemos uma representação ainda mais impotente do depravado egoísmo humano. Baseado em uma história real, a obra acompanha Rob Bilott, um advogado empresarial cujo trabalho se resume a defender empresas químicas, vivendo uma vida de conforto ao lado de sua esposa, interpretada por Anne Hathaway. Ao descobrir que a DuPont, uma das maiores empresas químicas dos Estados Unidos na década de 90, além de sua sócia, está trabalhando com materiais que danificam seriamente o meio ambiente e trazem doenças mortais aos seus consumidores, se vê obrigado a desmascarar a conspiração por trás de seu sucesso, mesmo que o preço da verdade lhe custe tudo de bom que ainda resta em sua vida.
Dirigido por Todd Haynes, o filme consegue se dividir entre dois assuntos que retrata com exímia genialidade: primeiro, discute o fato do poder financeiro da DuPont ser o bastante para legitimar cada vida que destrói. Sua tamanha influência faz com que os órgãos regulamentadores não queiram interferir no que faz, que o governo não ouse atrapalhar seus processos benéficos à economia, e que o público confie cegamente em uma marca que sorri pela frente, mas os envenena por trás.
“Eles são poderosos, eles podem tudo”, diz o protagonista, desolado e perdendo os resquícios de esperança que ainda lhe restam. A cada passo percorrido por Bilott visando justiça acerca das atrocidades da empresa em que um dia confiou, a tamanha burocracia manipulada por seus concorrentes fazem com que retroceda dois passos, fazendo com que o espectador se questione se realmente DuPont fechará as portas e pagará pelo que fez. Quer uma dica? A empresa continua como uma farta multinacional até os dias de hoje, e seu produto tão tóxico, matéria prima do conhecido Teflon das panelas, ainda é extremamente comum nas cozinhas do mundo todo – mesmo que órgãos da saúde continuem tentando bani-lo do cotidiano humano.
Em segundo lugar, além da forte crítica em relação ao poder que tais homens têm e, também, da forma a qual decidem utilizá-lo, temos uma quebra de paradigmas para o protagonista, que se vê desiludido em relação a tudo o que um dia acreditou. O personagem de Ruffalo percebe a corrupção inerte em seu meio, a qual se manteve nas sombras há muito tempo, e de certa forma acaba por se sentir culpado pelo que ocorre ao seu redor, afinal trabalhou defendendo tais organizações durante toda sua vida. Conforme Bilott desconstrói sua visão acerca de um mundo corrupto, o espectador é convidado a seguir seus caminhos e descobrir uma dura, porém autêntica, realidade.
O Preço da Verdade não é um filme que visa apenas fazer uma grande crítica ao sistema – mesmo que o faça com excelência –, indo muito além disso para retratar uma leitura destrutiva do ser humano: aqueles que fazem males ao próximo pelo dinheiro; as vítimas que depreciam os questionadores do sistema; os sofredores que morrem gritando alto – ou não; os muitos que optam por fechar os olhos e, por último e mais importante, os poucos que ainda tem a mínima esperança de lutar.
Haynes, portanto, ao retratar a humanidade em suas mais diversas formas, critica uma realidade passada onde o ser humano foi utilizado como cobaia e, logo em seguida, como receptor do tremendo mal gerado por seus semelhantes mais fartos de dinheiro e, assim, de poder. Tanto Ruffalo quanto Hathaway se tornam peças fundamentais de uma obra incrivelmente necessária nos dias de hoje, a qual consegue, ao mesmo tempo, demonizar e enaltecer a figura humana, sempre com o mesmo discurso: cada um daqueles personagens não só foram pessoas reais, mas representam aqueles que rodeiam o mundo.
O Preço da Verdade traz uma reflexão acerca das relações do poder e das responsabilidades vindouras destas, mesmo que, quando tratando-se de dinheiro, poucas vezes são levadas em conta. Quando o interesse de muitos é colocado acima da necessidade de poucos, o ser humano se destrói, pouco a pouco. Mesmo não tão inteligente quanto “Parasita”, tão sagaz quanto “Bacurau”, ou marcante quanto a série “Chernobyl”, Todd Haynes evidencia que ontem, hoje, ou amanhã, o ser humano continuará se destruindo pelo acúmulo de números em uma conta bancária, mas há quem contrarie tal sistema e decidirá lutar pela verdade, mesmo que o resto do mundo não a queira.