Sua mãe te entrega uma caixa cheia de discos de vinil. Um presente e tanto, mas não livre de promessas ou condições: você não deve ouvir o vinil, o disco verde. O que acontece? Se ela não quer que ouça, por que dá-lo então?
Estórias existem sempre para algum propósito e Kléber Mendonça Filho já sabia disso em 2004, quando adaptou a fábula popular russa ‘Luvas Verdes’ para o curta-metragem ‘Vinil Verde’. Os contos populares (e as estórias em geral) dividem muitas semelhanças com a vida, podendo enganar um ouvinte, um espectador desatento. Estórias por vezes estão vivas, mas não são a vida. São metáforas, sugestões e catalisadoras do pensar. Às vezes, elas precisam assustar.
‘Vinil Verde’ provoca uma sensação de mínima estranheza logo em seus primeiros segundos, justamente por sua constituição visual se afastar da fotografia em movimento convencional, dos 24 quadros por segundo. Possivelmente se inspirando no curta-metragem francês ‘La Jetée’, Kléber registrou os planos em uma série de fotografias individuais que seriam justapostas na montagem.
O movimento dos personagens em cena é mínimo e, mesmo assim, não deixamos de nos tornar apreensivos pelo quadro seguinte, sempre que a filha toca o disco verde. A forma aqui sucumbe ao conteúdo. A fotografia aqui só ilustra. O que importa é tão somente sobre o que é o filme. E afinal, sobre o que é esse filme?
Faria absoluto sentido, em primeiro momento, dizer que o curta exorta sobre a obediência que os filhos devem aos seus pais. As tais luvas verdes são como o lobo que engole a jovem na floresta, o velho que leva a criança em um saco. Não é tão simples, isso não basta. Por todas as consequências que a filha enfrenta pelos erros que comete, ‘Vinil Verde’ é um filme sobre crescer, que assusta e fala muito mais aos pais.
No aspecto cinematográfico, Kléber Mendonça Filho escancara a “simplicidade” do processo, que precisa sim de conhecimento técnico, mas que aqui conta muito mais com a paciência como ferramenta essencial. A montagem, que é inerente ao cinema, constrói o filme na justaposição das fotografias e nas sequências de breves animações. Mesmo que haja essa “violência visual” dos saltos bruscos, a forma constante com que o áudio entrega as paisagens sonoras de cada cena alivia e nos envolve de aceitação. Perceba como o som concebe a emoção.
‘Vinil Verde’ existe da única forma em que poderia existir. Existe como curta-metragem.
Cuidado com as luvas verdes.
Um Curta Por Semana é a coluna dedicada a divulgação de narrativas curtas, tão essenciais a construção da sétima arte.