Podemos dizer que filmes “Buddy Films”, ou seja, dois protagonistas que se tornam parceiros, são tão antigos quanto o próprio cinema, abordando vários temas e gêneros como faroeste (‘Butch Cassidy e Sundance Kid’, 1969), ficção científica (‘MIB – Homens de Preto’, 1997), drama (‘Perdidos na Noite’, 1969 e ‘Thelma e Louise’, 1991), e especialmente após o sucesso fantástico de ‘Máquina Mortífera’ (1987), o subgênero de ação com um toque de comédia, que ficou extremamente popular, refletindo em várias releituras como ‘A Hora do Rush’ (1998), ‘Bad Boys (1995)’, ‘Anjos da Lei’ (2012) e ‘As Bem-Armadas’ (2013). Um exemplo mais recente que trouxe um “frescor” muito gratificante ao subgênero foi ‘Dois Caras Legais’, que une os astros Ryan Gosling e Russell Crowe em uma aventura que se passa nos anos 70.
Mas será que ‘Um Espião e Meio’ também consegue se destacar em meio a tantos filmes de tema parecido lançados nos últimos anos? Dirigido por Rawson Marshall Thurber (de ‘Com a Bola Toda’, 2004 e ‘Família do Bagulho’, 2013), o filme conta a história de Calvin Joyner (Kevin Hart), conhecido como “o Foguete Dourado” e Bob Stone (Dwayne Johnson), dois ex-colegas de escola que se reencontram de forma inusitada após 20 anos, e entre encontros e desencontros e confusões diversas, acabam se envolvendo no submundo da espionagem internacional, ficando bem na mira da CIA. Apesar do título totalmente genérico e da trama aparentemente bastante trivial, a forma como o filme apresenta seus personagens – especialmente The Rock – é hilária, com efeitos visuais muito bem feitos, rejuvenescendo os dois atores.
Paralelamente à trama principal, ‘Um Espião e Meio’ aborda, como de costume, temas do cotidiano das pessoas, como o bullying e o casamento. Mas tudo é feito de forma muito rasa, e mesmo que um desses temas tenha conexão com o desfecho da trama, o filme não se preocupa em desenvolvê-lo de forma minimamente relevante. Sendo assim, o que sobra para o espectador é se deixar levar pelas piadas e situações cômicas que vem pela frente e não esperar nada muito além disso. No início, Calvin (Hart) é um atleta considerado o jovem mais promissor do colégio. Entretanto, o casamento com a garota “mais bonita” do colégio e seu emprego de corretor, não são exatamente o que ele e todos seus colegas imaginavam para seu futuro. Portanto, estabelece-se aí um objetivo interno do personagem que é passar a acreditar em si mesmo. E de maneira surpreendente, a faceta estridente e irritante que Kevin Hart costuma ter (vide ‘Super-Herói’ ou ‘Deu a Louca em Hollywood’), é deixada de lado para uma atuação bastante contida e interessante do ator (mas que infelizmente não se sustenta por muito tempo).
O roteiro do filme não se propõe a trazer nada de novo para o espectador, na verdade é bastante previsível, embora tenha boas situações cômicas (como a cena do Facebook). Quando The Rock entra em cena, os momentos mais engraçados surgem da contradição ideológica do personagem, por exemplo, apesar da transformação física do personagem, percebemos que ele ainda é aquele garotinho do colégio por dentro (usa uma camisa super apertada de unicórnio (!) revelando seus músculos gigantes, além de uma pochete). Portanto, o figurino e a personalidade inusitada do personagem acabam rendendo boas cenas, sem falar no carisma e química dos dois protagonistas, que funcionam muito bem juntos.
Mas há um problema de ritmo no filme, pois basicamente há três grandes cenas de ação durante todo o filme e entre elas leva-se muito tempo desenvolvendo o mistério que envolve a trama da CIA e o motivo da dupla estar sendo perseguida. Lembrando que, como eu mencionei anteriormente, filmes dessa natureza surgem numa boa quantidade todos os anos, portanto é preciso uma boa ideia ou um esforço de roteiro ou até mesmo da forma como o as cenas são dirigidas para manter alto o interesse do espectador. E não é o que acontece. Logo o personagem de Kevin Hart começa a surtar na sua histeria de costume, as cenas de ação são filmadas de forma bem comum e a trama de investigação acaba parecendo muito banal. Apenas o que continua tornando o filme atraente é mesmo o charme dos atores. Tanto que um dos melhores momentos do segundo ato é a participação especial de Jason Bateman (‘Quero Matar Meu Chefe’, 2011) e mais à frente, a de Aaron Paul (‘Breaking Bad’).
Portanto, ‘Um Espião e Meio’ é um filme que se esconde na multidão de “buddy films” que surgem todos os anos. Lhe falta coragem para arriscar, ou até mesmo esforço para se destacar, como ‘Dois Caras Legais’ e ‘Anjos da Lei’ conseguiram fazer (usando ou um tema mais provocador, ou ambientado em outra época, ou com linguagem e estética mais caprichadas, para citar alguns exemplos). A direção de Marshall Thurber entrega o “arroz com feijão”, com tiroteios, coreografias razoavelmente bem-feitas, muita gritaria e perseguição, mas nada digno de nota. Tem até aquele momento horroroso no qual o vilão conta todo seu plano antes da hora, isso é mesmo necessário? Será que o espectador é tão “tonto” para não entender o que está se passando e precisar de uma explicação mastigadinha? Sabemos que não. Por mais que seja um filme que busque alcançar um público mais abrangente e saiba usar a comédia física de maneira eficiente, arrancando algumas boas risadas, ‘Um Espião e Meio’ entrega uma trama que surpreende pouco e que deve ser esquecida até a próxima história genérica deste subgênero tomar seu lugar.