Há 34 anos, David Gibbons e Allan Moore lançaram a cultuada HQ de Watchmen. Uma das mais premiadas nos últimos tempos que marcou uma geração. As 12 edições da minissérie não tiveram continuação direta, mas em 2017, a DC Comics resolveu unir os universos de seus heróis com Watchmen e lançou uma sequência chamada “Doomsday”, sem a participação dos autores do original e nem continuidade direta da trama, de tal modo que as consequências das ações do desfecho nunca foram explicadas, até então.
Adaptar algo tão cultuado tem complicações. Esse “universo” ficou mais de 20 anos intocado, até ser adaptado ao cinema por Zack Snyder em 2009.
10 anos depois, na era de ouro das séries de TV, finalmente Watchmen foi revisitada pelas mãos de Damon Lindelof, co-criador da cultuada série “Lost”. Ele aceitou o desafio dos executivos da HBO e criou algo novo: um seriado com uma trama que é uma continuação direta da HQ original.
No material original a atmosfera de tensão girava em Nova York em torno da Guerra Fria e o perigo de uma guerra nuclear, fazendo conexão com o mundo real dos anos 80.
Já em 2019, Nova Iorque fica de lado e a ação viaja para Tulsa, Oklahoma. O mesmo lugar onde, no mundo real, no início do século passado aconteceu o massacre da Black Wallstreet, realizado por supremacistas brancos. Este é o ponto de partida para história, apresentando um garotinho que sobrevive ao caos social que vitimou seus pais.
Na Tulsa dos dias atuais algumas coisas não mudaram. No universo estabelecido por Watchmen, vigilantes uniformizados estavam proibidos, e por lá tudo mudou após o ataque de um novo grupo supremacista, chamado Sétima Kavalaria. O grupo utiliza máscaras do Rorschach, inspirados no diário do falecido anti-herói, subvertendo as ideias dele em racismo puro, para promover um novo massacre na cidade, que ficou conhecido como “A noite branca”, onde diversos policiais foram mortos. Com isso, todas as autoridades policiais passaram a usar máscaras, permitindo que os vigilantes ressurgissem.
Entre eles, Angela Abar (Regina King) ou Sister Night, uma vietnamita orfã que saiu da polícia oficialmente, após sobreviver a noite branca. Abar agora luta ao lado do comandante da força policial Judd Crawford (Don Johnson) e do atormentado Looking Glass (Tim Blake Nelson) para enfraquecer os racistas. Enquanto não está lutando, Abar vive o dia-a-dia de uma dona de casa normal, com seus 3 filhos adotivos e o seu misterioso marido Cal (Yahya Abdul Mateen II).
Num outro lado da história, somos apresentados a um envelhecido Adrian Veidt (Jeromy Irons) exilado e entediado em um castelo onde é venerado pelos empregados e tenta utilizar sua inteligência para criar coisas novas para sair da rotina. O mundo mudou desde os acontecimentos da HQ, quando uma lula alienígena gigante caiu dos céus em Nova Yorque e matou 3 milhões de pessoas. O ataque nuclear que parecia iminente foi evitado e o tudo ficou em paz. Só que o Veidt recluso parece ressentido da sua ação nos anos 80.
Com essas premissas, surge uma história que brilhantemente da sequência ao material original sem esquecer de nenhum ponto importante, e revisita a origem de diversos personagens. Recontando a história de um dos primeiros heróis, o Justiça Encapuzada, e até o retorno do mais poderoso dos seres, o Dr. Manhattan, a série de 9 episódios aproveita do que há de melhor dos quadrinhos originais, desde a cafonice dos uniformes, agora repaginados no contexto atual, ao conflito sobre as questões raciais que parte de um evento real para abordar o ressurgimento dos grupos de supremacistas que ganham força nos Estados Unidos e na Europa.
A série atinge em cheio seus objetivos com um bom elenco, destaque para Regina King e Jeromy Irons que estão impecáveis no núcleo principal da história. E acertar em cheio é justamente o problema. Ao mesmo tempo que existe uma curiosidade sobre as pontas soltas deixadas no final para pensar no futuro do universo de Watchmen na TV, será que conseguirão contar outra história que faça jus à essa temporada?
Lindelof antes da estreia chegou a insinuar que a série seria como “True Detective”, também da HBO, que tem histórias fechadas dentro de uma temporada. Mas com o sucesso da série e da trama já exibida, os planos estão em aberto.
De concreto, só que os 9 episódios fazem justiça às 12 edições do material original, deixando um grande legado ao que foi construído nas páginas dos quadrinhos e agora, na TV.