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No cinema moderno, são muitos os diretores que se destacam com obras primorosas e que merecem milhares de elogios. Mas uma pequena parcela consegue chamar tanta atenção quanto Wes Anderson. Com sua filmografia formidável e seu estilo cinematográfico único, o americano se destaca de forma radiante em uma Hollywood superficial. E ele volta a demonstrar seu encanto em uma das formas mais belas de arte: a animação. Sempre conquistando todos os públicos, esse estilo cinematográfico já nos proporcionou momentos marcante, como ‘O Rei Leão’ (1994) da Disney, ‘Túmulo dos Vagalumes’ (1988) do Studio Ghibli. E agora ‘Ilha de Cachorros’ também entra no patamar.
Longe de querer comparar a nova animação de Wes com os clássicos citados, mas é gratificante assistir uma animação com seus recursos. Wes trabalha o visual de forma perfeita e mistura com uma belíssima narrativa metafórica, enchendo os olhos dos espectadores, que ficam petrificados com toda a dinâmica, delicadeza e força que ele trabalha. Não só isso, mas como ele trata cada um dos personagens. Também roteirista, ele constrói cada um com sua essência, seu passado e ideologias, sendo todos diferentes, mas ao mesmo tempo iguais. E não só no texto, o design de cada personagem e a animação em si repete o encanto de ‘O Fantástico Sr. Raposo’ (2009) com seus personagens carismáticos em uma história infantil, mas ao mesmo tempo madura reflexivamente. Apesar da animação de 2009 ser superior na narrativa (algo que falaremos logo menos), Wes toca no coração de cada espectador ao utilizar cachorros. Mas como apresentei no texto de ‘Todo Dia’ (2018), tudo tem uma camada mais profunda.
A escolha de se utilizar o “melhor amigo do homem” vem pela mensagem que Wes quis passar. Com um discurso sobre abandono, autoritarismo e xenofobia, a escolha de cachorros foi uma cutucada para conseguir, quem sabe, tocar os seres humanos e fazerem eles pararem de agir assim com quem quer que seja. Até a forma como ele trabalha o humor tem suas camadas profundas. Um tanto único, o humor de Wes não é fácil. Algumas piadas são colocadas de forma sútil, mas são feitas no mesmo nível de um soco na cara. Ele é provocativo, mesmo quando não tem intenção. Ao desenvolver os personagens japoneses daquela forma, ele quer passar uma mensagem. Um líder com um corpo maior que cabeça traz muito de grandes líderes atuais, fortes e poderosos, mas com pouco raciocínio. Ou com o próprio idioma, quando mesmo fazendo uma produção americana, ele traz muito da linguagem japonesa e adaptando a situação para conseguir trazer a língua inglesa. Por mais bobo que pareça ser, Wes age de um forma que milhares de outros diretores não agem, e isso merece ser destacado.
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A narrativa dessa vez não traz a adaptação de um livro e em sua essência parece boba. Mas como a mão que constrói é a de Wes, nada é bobo gratuitamente. Com seus pesos metafóricos, a montagem do roteiro é bem elaborada, mas peca mais que ‘O Fantástico Sr. Raposo’. Por mais perfeito que o longa pareça, a narrativa traz alguns elementos problemáticos. As idas e vindas com as tramas da cidade e da ilha ganham um peso desnecessário, e por mais importantes que sejam as cenas para o desenvolvimento da história, tornam-se cansativas e não parece haver o dinamismo da animação de 2009. Aqui, o segundo ato é o que mais sofre com isso. Enquanto a introdução e a conclusão são perfeitas, o desenvolvimento caminha devagar e serve mais para crescer uma relação previsível do que explorar mais mensagens provocativas. As duas animações pecam, mas cada uma em pontos diferentes, portanto, em uma o x está certo e o y errado, e na outra, o x está errado e o y está certo. Como uma segunda tentativa com a arte do stopmotion, Wes tem um aproveitamento maravilhoso.
Ainda em julho, já é possível se pensar em Oscar. E a cada ano que passa, é lindo ver que a premiação traz uma animação fora do 3D entre os indicados. Isso não só prova um olhar artístico para o estilo, mas prova como a animação é maleável, e o stopmotion, por mais que pareça banal, vem cada vez mostrando que ainda tem espaço. Nisso, é gratificante olhar um diretor com o peso de Wes explorando esse procedimento de animação mais uma vez e trazendo um elenco ainda mais poderoso que sua direção. No meio de Hollywood, são poucos os diretores que passam essa paixão aos atores, que chegam ao ponto de baixarem os salários só para trabalhar com ele. Esse poder é um tanto parecido com o de David Lynch – outro gênio, diga-se passagem – que consegue transmitir de forma calorosa o que ele espera do elenco dentro daquilo que ele quer para a obra. Tornou-se nítido o quanto Wes pensou em seus personagens já com os atores em mente. Tudo é complementar e tudo combina dentro de tela, é impossível existir outras vozes para aqueles cachorros senão essas definidas. Esse é o poder de um cineasta respeitável. Até em suas escolhas de cena, como retratar ‘Cidadão Kane’ (1941) em pleno 2018, e mostrar o quão atual é.
E em meio a uma década complicada, são pontos delicados para discussões fortes que dão o prazer de amar essa arte chamada cinema. O brilho que Wes deixa nos olhos de cada espectador é de um esplendor único, que merece admiração. Tudo é cuidadoso. A ambientação, as frases, as ações e até o posicionamento da tela – para separar a legenda do filme e não desfocar a visão do espectador de todo aquele universo. Mesmo com 24 anos de carreira, Wes prova que ainda tem como surpreender e deixa, a cada filme, uma pequena marca na história do cinema.
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