“Era uma vez… em Hollywood” é pouco coeso mas esdrúxulo o suficiente, como se espera do Tarantino

O nono filme de Tarantino está entre nós, após o verborrágico “Os Oito Odiados” de 2016, o diretor, aclamado por uns, odiado por outros, traz uma ode a Hollywood dos anos 60 na sua, quem sabe, penúltima produção, já que há muito tempo o diretor afirma que irá se aposentar quanto completar dez filmes.

No final dos anos 60, o cinema, antes um meio de entretenimento popular, perdia seu lugar para a televisão, e a atmosfera paz e amor californiana era invadida abruptamente pelos cruéis assassinatos cometidos pela Família Manson. Liderados por Charles Manson, quatro jovens assassinaram sete pessoas nas noites de 9 e 10 de agosto de 1969. Dentre as vítimas estavam a atriz Sharon Tate, gravida de oito meses – seu marido, Roman Polanski, diretor de “O Bebê de Rosemary” (1968), estava na Europa quando os crimes ocorreram – e seu amigo e ex-noivo Jay Sebring.

Muitas teorias ainda rondam os assassinatos e as circunstâncias que levaram Manson escolher dentre todas as casas de Cielo Drive a de Tate e Polanski e nenhuma delas é abordada durante o filme. Apesar das tramas serem rodeadas pela família Manson e os assassinos que seriam cometidos por eles, o filme não trata deles em si, mas sim da relação entre Rick Dalton (Leonardo DiCaprio) e Cliff Booth (Brad Pitt), a comunidade formada por Charles Manson (Damon Herriman), serve como um artificio auxiliar, assim como Sharon Tate, aqui interpretada por Margot Robbie.

O filme se passa em Los Angeles em 1969 e em meio a uma combinação de séries, filmes e celebridades reais, conta a história do fictício Rick Dalton que mora logo ao lado da casa de Tate em Cielo Drive, e seu dublê/motorista/zelador/amigo e também fictício Cliff Booth, como o próprio filme diz ele é mais do que um irmão, porém menos que uma esposa.

Rick construiu sua carreira de sucesso com alguns filmes e uma série de faroeste onde interpretava um caçador de recompensas, mas agora vê sua carreira entrar em declínio. Fadado a participações como vilão em outros seriados se desespera e faz birra enquanto a ansiedade e os oito whisky sour da noite passada o fazem esquecer a falas de seu próximo personagem.

Cliff, seu dublê de longa data, tem personalidade oposta, calado e aparentemente calmo, ele tem um suposto passado violento, e não hesita em revisitar essa violência se necessário. Sem muita função como dublê, visto a mudança na carreira de Rick, ele se divide entre as tarefas dadas pelo amigo/patrão e sua cachorra Brandy (Sayuri), que ganhou o prêmio Palm Dog em Cannes este ano. A personalidade dos dois contrastam e se completam e mesmo que fosse interessante ver a versão de Tarantino de Charles Manson, o foco nos personagens de DiCaprio e Pitt é realmente o melhor do filme.

O elenco repleto de nomes conhecidos como Al Pacino, Dakota Fanning, Timothy Olyphant, Kurt Russel e Lena Dunham é mais do que competente e liderado de maneira excelente pelos dois que estão irrepreensíveis e são responsáveis pelas risadas sem nunca parecer forçado ou fora de contexto.

A Sharon Tate de Margot Robbie é também muito bem interpretada com delicadeza e um ar de inocência, porém, sempre descalça e angelical, ela não faz muito além de passear e dançar. A cena onde a personagem é mais aproveitada é quando após ver seu nome no letreiro de um cinema em Westwood ela decide assistir a si mesma em “Arma Secreta contra Matt Helm”, porém o arco protagonizado pela personagem não vai muito além disso e muitas vezes é deixado de lado.

Diferente da maioria dos filmes de Tarantino falta concordância entre os três arcos, que tem caráter episódico em um longa de quase três horas de duração. O filme não parece realmente chegar a lugar algum, ainda que no início já possamos ter uma ideia do desfecho, já que em parte se trata de pessoas reais. Porém entre os recortes do que era a vida em Los Angeles na época, ele chega ao seu desfecho, como sempre chocante, o qual compensa em grande parte os momentos que parecem não ter premissa alguma.

O longa não só remete aos anos 60 como parece realmente ter sido feito na época, nostálgico, traz a visão de Tarantino de um ano que se tornaria marco de uma mudança cultural. Repleto de referências, é um contorno da época, com festas na mansão PlayBoy, onde entre os convidados estão Steve McQueen (Damian Lewis) e Roman Polanski (Rafal Zawierucha) e confrontos com um arrogante Bruce Lee (Mike Moh) querendo exibir suas habilidades em artes marciais. Cada canto da Hollywood de 60 é explorado e o fascínio pelo universo ali retratado é constante em todo o filme e acompanhado de uma trilha sonora formidável.

“Era Uma Vez… em Hollywood” talvez não esteja entre os melhores trabalhos de Tarantino quanto a coesão, mas todos os aspectos que tornaram seus trabalhos anteriores aclamados estão presentes, ainda que de maneira mais contida. Em suma, é um filme divertido, ainda que pareça disperso não perde totalmente a atenção do espectador, e o humor mais sentimental e menos excêntrico ainda é esdrúxulo o suficiente, como a gente espera de Tarantino.

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