Stephen Frears é um dos diretores mais respeitados ainda em atividade no meio cinéfilo, sobretudo quando o assunto é biografia ou filme de época. A cada década, o diretor lança ao menos um filme marcante para a história do cinema, como fez em ‘Ligações Perigosas’ (1988), ‘Os Imorais’ (1990), ‘Alta Fidelidade’ (2000) ou com o mais recente ‘Philomena’ (2013). Desta vez, contando a história de Florence Foster Jenkins – que já havia sido recentemente adaptada na produção franco/belga ‘Marguerite’ – o diretor trabalha com a dupla de astros Meryl Streep e Hugh Grant nessa história bastante inusitada e emocionante.
Para quem não conhece a história, Florence (Meryl Streep) vivia em Nova Iorque e herdou muito dinheiro, se tornando uma das maiores incentivadoras e amantes da música na cidade. Certo dia decidiu seguir seu sonho de ser cantora de ópera, e recebeu a ajuda de seu marido St. Clair Bayfield (Hugh Grant) para contratar um pianista (Simon Helberg, da série ‘The Big Bang Theory’) que fosse do seu agrado para acompanhá-la, um jovem gentil e também um genuíno amante da música. Mas havia um pequeno problema em tudo isso: a voz de Florence era insuportável demais, horrorosa para quem pretendia ser uma cantora.
Uma história baseada em fatos reais como esta, ainda mais nas mãos de um diretor experiente como Frears, possibilita várias camadas de significado e de mensagens que o filme poderia passar. E é claro que o diretor explora esses recursos. As mensagens mais óbvias são a persistência para seguir seu sonho, apesar de todas as dificuldades e limitações, assim como mostrar que o amor é muito mais do que apenas uma parceria entre o casal. A cumplicidade e dedicação nos bons e maus momentos são de extrema importância para um relacionamento duradouro. Portanto, já fica aqui um elogio ao filme, que é a relação entre o casal principal, apresentada e desenvolvida ao longo da história de forma muito carinhosa e sensível.
Apesar da história de Florence ser bem dramática, pela situação bastante delicada de sua protagonista, o tom do filme é leve e se aproveita da motivação inusitada de Florence em ser uma cantora para se utilizar de várias inserções cômicas no meio da trama, faltando pouquíssimo para transformar o filme em uma comédia. E é aí que se justifica a entrada de Cosme McMoon (Simon Helberg), o pianista que ganha a confiança da protagonista e a ajuda a ir passo a passo realizando seu sonho. Helberg tem um timing cômico muito bom no filme e, assim como Hugh Grant e alguns outros personagens (não todos, pois alguns entregam uma atuação um tanto exagerada para o tom do filme), reage muito bem às inusitadas situações que vão ocorrendo. Essa contribuição na medida certa de Helberg e Grant é o que torna engraçado o filme em vários momentos. Já Meryl, dispensa muitos comentários, pois entrega mais uma atuação bastante plausível, utilizando um método que as vezes remete vagamente a alguns personagens que já interpretou na sua prolífica carreira, como Julia Child, por exemplo, mas sejamos sinceros, é quase impossível para alguém com a carreira dela criar algo totalmente do “zero”. Ou seja, um bom trabalho desempenhado pelo trio principal.
Não que seja um defeito, mas a pragmática direção de Frears não se preocupa em tornar a trama mais interessante, considerando que o filme tem quase duas horas de duração, e isso já é bastante recorrente na sua carreira. Sendo assim, o filme fica monótono em alguns momentos e não acontecem grandes eventos com os personagens (com exceção do casal principal, os personagens não têm muitas confrontações nem com o ambiente e nem entre si). Ou seja, lembrando que, no cinema contemporâneo, para você manter a atenção integral do espectador é preciso mais, as pessoas querem ver filmes com histórias interessantes. Portanto, essa abordagem muito “linear” e clássica, eu diria, de se contar uma história, pode soar muito maçante para o público geral, reduzindo seus admiradores a uma parcela bem menor de espectadores.
Sendo assim, trilha, direção de arte, fotografia, também, estão em um nível bastante aceitável de qualidade, mas nada que seja muito digno de nota. Há uma bela cena ao som de Chopin e momentos muito divertidos, mas creio que o grande elogio de ‘Florence: Quem é Essa Mulher?’, vá para a sensibilidade com que Stephen Frears constrói a dedicada relação entre o casal principal. Apoiado por ótimas atuações, o filme é mais recomendado para aqueles espectadores habituados a um estilo de cinema mais “clássico”, por assim dizer. Um filme que fica na sua zona de segurança, mas que faz jus à história na qual foi inspirado.