No mercado cinematográfico, muito se fala sobre franquias. De Harry Potter ao Universo Cinematográfico da Marvel – e a tentativa frustrada da DC – o público se demonstrou interessado em acompanhar jornadas únicas dentro de diferentes filmes. O que foi ótimo para produtores e estúdios, já que, pouco se precisa inovar para manter a fidelidade dos espectadores. Enquanto as duas franquias citadas demonstram claramente suas fórmulas, torna-se questionável do que faz Velozes & Furiosos uma franquia sustentável desde 2001. Poderia haver uma reflexão de que o motivo é o tema familiar proposto, ou as cenas de ação, ou até mesmo os carros, os personagens, as histórias. No fim, é exatamente tudo isso, mas com um detalhe fundamental: a galhofa. 

Ainda que nos primeiros filmes as histórias tinham um teor mais sério em sua narrativa, com suas propostas mais humanas e até mais coesas com a realidade, as produções foram cada vez mais adotando o exagero. E isso se tornou característica principal de seus filmes, o que torna tudo mais divertido. Ao adotar o objetivo de algo centrado, são estabelecidos limites. No entanto, ao fazer o contrário, o céu é o limite – ou até além dele. Hobbs & Shaw não só mantém essa essência, como eleva o conceito, algo que, não é necessariamente bom, mas consegue ser funcional dentro de sua intenção. 

Mesmo sem seus principais personagens, esse primeiro spin off não serve apenas como o resultado do conflito entre Dwayne Johnson e Vin Diesel, mas como um teste para um futuro segmento da franquia, e que adotou dois personagens aclamados em Velozes & Furiosos 8 (2017). Além de dois brucutus, The Rock e Jason Statham estabelecem contrastes que funcionam narrativamente. Não está só na questão bondade versus maldade, como também no tamanho dos dois e no estilo de vida, sendo Hobbs mais “sujo”, enquanto Shaw é mais classudo, muito justificado também por suas origens, que, de ambos, são exploradas mais na produção.

Essa diferença foi muito bem trabalhada pela direção de David Leitch e pela direção de fotografia de Jonathan Sela. Leitch consegue muito bem deixar claro, visualmente, as características de cada um – principalmente na introdução dos personagens, onde a tela é literalmente dividida – enquanto Sela reforça ainda mais a visão do cineasta. Enquanto as cores no núcleo de Hobbs são mais secas, com Shaw tudo é muito na base do neon, porém, com cores que dão seu tom de fineza. A vantagem dessa característica é que a presença de Sela é realizada da maneira correta, já que sua fotografia chama mais atenção em momentos específicos, sem se manter constantemente. 

No entanto, ao mesmo tempo que as duas vertentes fazem seu papel de maneira honrosa, o roteiro se transforma em material expositivo, apesar de acrescentar. A exposição, porém, diferente do trabalho de Lesa, mantém-se presente durante grande parte do longa, com diálogos que ultrapassam o conceito do clichê e que se demonstram pleonásticos. Por sua vez, a história desenvolvida por Chris Morgan e Drew Pearce seguem a linha bastante presente na narrativa de todos os filmes da franquia. Isso significa uma estrutura previsível e sem qualquer complexidade, mas que faz a função de divertir. E isso faz muito bem. Inclusive, o texto dos dois até tenta dar tons complexos ao personagem de Idris Elba, mas o mesmo acaba caindo na mesmice de todos as outras tramas. O que só reforça o entendimento da produção sobre o que funciona com o grande público e o que realmente importa: comédia e ação. Por isso, Leitch se mostrou o nome perfeito. 

Entretanto, o cineasta não demonstrou presença no longa, diferente do que acontece com James Wan no sétimo filme. Marcado por belíssimas cenas de ação em John Wick (2014) e Atômica (2017), Leitch não tem o mesmo feito em Hobbs & Shaw. Muitas das cenas são quase indecifráveis, recheadas de cortes secos e uma montagem que, apesar de manter o ritmo frenético, não empolga. O roteiro também acaba por manter uma estrutura muito repetitiva, que, misturada com a falta de criatividade – ou liberdade – de Leitch, torna tudo muito enjoativo. Não só as cenas de ação provocam esse sentimento, como o texto dos protagonistas vão, aos poucos, perdendo o impacto. Há o sentido de dar aos dois textos banais, até para servir como crítica a homens brutos que focam apenas em porrada e em se provar superiores – o que é até reforçado com algumas reações das personagens femininas – mas, ainda assim, é preciso certo equilíbrio. No entanto, tudo isso se torna um tanto banal pela diversão envolta do carisma dos personagens e das loucuras envolvidas serem bastantes presente em tela. 

Muito disso se deve pela química entre Johnson e Statham. A frase “os opostos se atraem” ganha certo destaque ao observar a relação entre os dois personagens, tanto nas cenas de ação, como as de humor. The Rock equilibra seu tamanho com seu carisma e se prova, novamente, ser um personagem cada vez mais adorável, enquanto Statham, mesmo com seu ar mais sisudo, entrega delicadezas sutis que fazem o personagem ganhar certa admiração. A personagem de Vanessa Kirby é outro grande acerto do longa, não só para servir como mais um ponto de equilíbrio entre o conflito dos protagonistas, como também se demonstra extremamente potente para as cenas de ação, conseguindo se equiparar a outros nomes da franquia, como Michelle Rodriguez.

Elba, ainda que sofra com os detalhes do roteiro, demonstra uma presença descomunal em tela. Seu personagem possui entrelinhas interessantes quanto às suas condições, e sua participação nas cenas de ação acrescentam ainda mais na narrativa imposta. E é justamente com ele que Leitch mais brilha na direção, mas não nas cenas de combate, e sim as que envolvem pirotecnias dentro da realidade de sua caracterização, lembrando inúmeras cenas de Deadpool 2 (2018). 

E é justamente com o personagem de Elba que o roteiro explora complexidade na narrativa – apesar de rasa. Não há originalidade, porém, o conceito escolhido funciona perfeitamente como uma evolução à franquia, como o mesmo ocorre no oitavo filme, tendo Charlize Theron como a vilã tecnológica. No entanto, o personagem de Elba consegue ir além ao trabalhar a concepção de seres superiores e o poder da tecnologia sobre a humanidade. Ainda que os conceitos dentro da história não funcionam como gatilhos para reflexão – até porque o filme nem pede isso – eles estão lá e isso é importante para uma certa reciclagem para não se manter na superfície do discurso da família. Aqui, apesar de ser o mesmo discurso presente em obras como Robocop – O Policial do Futuro (1987) e até O Mágico de Oz (1939), sobre o humano superar a máquina, encaixa perfeitamente na narrativa proposta em Velozes & Furiosos, o que deixa tudo mais interessante para futuros personagens – apesar de ser esperado a obviedade.

A diversão, como acontece com toda a franquia, supera qualquer falha absurda, já que o próprio roteiro se aceita como algo impossível, e isso faz a suspensão de descrença agir no mais mais veloz e furioso possível. Sendo esse um primeiro passo para o futuro, talvez coisas mais lucrativas venham por aí, apesar da mesmice dominar a tela, o que torna esse o melhor filme ruim do ano, até então. E que, no fim, Hobbs & Shaw se prova ser aquele primo revoltado que sai do grupo da família, mas ainda é considerado um parente adorável.

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