“Irmãos de Honra” é um filme sobre a amizade de dois pilotos de avião da elite da marinha americana. Com direito a jaquetas de couro, cenas filmadas de dentro dos aviões e até mesmo a presença de Glen Powell, é impossível ignorar as similaridades com um dos filmes mais prestigiados do ano, Top Gun: Maverick. Ao reparar essas coincidências, é difícil evitar as comparações, porém, isso é só até você começar a assistir a “Irmãos de Honra”, as semelhanças continuam lá, mas esse é um filme que contém sua própria voz e, mais importante, sua própria história – uma história verídica.
Jesse Brown (aqui interpretado por Jonathan Majors) foi o primeiro aviador negro a completar o programa de voo da marinha norte-americana, ele tinha a consciência de seu pioneirismo e da relevância do mesmo, mas a maior luta de Brown é para viver sua própria vida e ser tratado como qualquer um de seus colegas, mas eram os anos 50 e Jesse Brown encontrava discriminação e racismo em todas situações e lugares que frequenta, com exceção de sua casa. Jesse conhece Tom Hudner (Glen Powell) e o novato é colocado para ser seu copiloto, como aprendemos em “Top Gun”, é essencial que o piloto e seu copiloto tenham uma relação de, no mínimo, confiança e cumplicidade. Por conta de suas experiências prévias, no trabalho Jesse é um homem mais reservado e de poucos amigos logo, ele é naturalmente cauteloso em se aproximar de Tom, mas aos poucos sua relação vai se estreitando e o fato de Tom ser uma das poucas pessoas brancas genuinamente decentes em seu círculo profissional.
A relação de Tom e Jesse ultrapassa os limites profissionais para se tornar uma amizade de fato quando descobrem que serão mandados para uma missão durante a Guerra da Coréia e só poderão contar um com o outro. É essa relação entre os dois que dita o ritmo do filme, “Irmãos de Honra” é um filme sério, com um ou outro alívio cômico, mas não é pesado. Assim como Jesse leva sua vida, a narrativa é sólida e silenciosamente poderosa. Com exceção dos últimos minutos de filme, as cenas mais impactantes são opostas entre si e mostram a habilidade desenvolvida por Jesse para sobreviver a um mundo que, constantemente, se coloca contra sua existência: uma delas é de Jesse se olhando no espelho e dizendo para si mesmo as palavras e xingamentos de cunho racista que ouviu a vida toda, ele chora – e chega a quebrar a quarta parede olhando diretamente para sua audiência em uma delas – e as repete como a forma que encontrou para lidar e superar as injustiças que sempre estiveram presentes em seu caminho; na outra, temos Jesse em sua casa, com sua esposa Daisy (Christina Jackson) e filha, um Jesse completamente diferente, leve, espontâneo, amoroso e sorridente. Sua casa é seu único refúgio contra um mundo que constantemente tenta colocá-lo para baixo, e até mesmo em sua casa ele acaba sendo importunado eventualmente.
Diferente de outros filmes de época que retratam relações platônicas interraciais, o mais relevante recentemente tendo sido o vencedor do Oscar “Green Book”, o homem negro aqui é o protagonista de sua própria história, mesmo quando vemos os acontecimentos pela perspectiva de Tom, um homem branco. Os outros aviadores do esquadrão só têm uma preocupação em mente: a oportunidade de provar seu valor, a maioria deles se alistou durante ou depois da Primeira Grande Guerra inspirada pelo patriotismo ou pelo ego e vontade de se tornar um herói, Jesse também compartilha do objetivo de servir seu país, mas seu caminho é tortuoso e ele é obrigado a desviar ou superar diversos obstáculos a cada passo. Ele não tem espaço para cometer erros, mas mesmo com esse peso a mais em seus ombros, deixa que o amor que nutre por sua família, e a esperança de voltar a vê-la, guie sua jornada e impeça que a tensão tome conta de sua vida.
Tom é um homem decente, mas ainda é um homem branco na década de 50, ele não tem comportamentos abertamente racistas, mas não sabe qual a melhor forma de lidar com o racismo que o cerca, muitas vezes saindo em defesa de seu amigo e até mesmo apelando para violência, ignorando o fato de que Jesse é um homem adulto, capaz de se defender sozinho nessas situações pelas quais ele passa desde que se entende por gente, e que, principalmente, só quer ser visto como um igual, sem se destacar e chamar atenção. Seu ativismo é silencioso, e a direção de J.D. Dillard, também um homem negro, tem a sensibilidade de contar a história desse herói esquecido dentro de seus próprios termos e nunca em detrimento de destacar um personagem branco ou um negro que fantasiosamente acaba com o racismo, ou ao menos desperta toda uma sociedade para ele (uma coisa que nem mesmo em 2022 pode ser verdadeira).
Com quase duas horas e meia de duração, é possível sentir, em alguns momentos, que a narrativa se arrasta um pouco mais do que poderia, mas todos os elementos do filme contribuem para tornar essa uma história que vale a pena ser contada, reconhecida e lembrada.