JUDAS E O MESSIAS NEGRO | UM ELENCO DE PESO CONTA A HISTÓRIA DO PARTIDO DOS PANTERAS NEGRAS

Os filmes baseados e inspirados em eventos reais estão em alta no momento. Só nessa temporada de premiações temos três grandes filmes dedicados à histórias dos EUA nos anos 60: Uma Noite em Miami, Os 7 de Chicago e agora Judas e o Messias Negro, esses dois estando diretamente relacionados.

Não é à toa que a década de 60 é sempre escolhida, foram anos cruciais na luta por direitos civis em que grandes nomes e movimentos surgiram com o intuito de lutar contra a segregação e o racismo que eram muito mais visíveis e proeminentes na época. Judar e o Messias Negro é, justamente, uma história de luta e de resistência.

As primeiras e últimas cenas do longa são da entrevista de seu judas, William O’Neal (Lakeith Stanfield), uma entrevista real em que O’Neal falou pela primeira e última vez sobre seu papel de agente duplo e as consequências que se seguiram. O que vemos entre essas cenas inicial e final é uma narrativa de extrema qualidade. O filme dirigido por Shaka King é rápido sem se precisar se apressar, num roteiro muito bem amarrado e de diálogos marcantes, as cenas são carregadas de significado e a perspectiva de um homem negro que, a princípio, não tem qualquer consciência de raça e começa a ajudar o FBI sem qualquer remorso ajuda a contar a história de forma mais dinâmica e diferente dos outros filmes de mesma temática.

Ambientado no mesmo período em que Os 7 de Chicago, temos a história de Fred Hampton, o presidente do partido dos Panteras Negras em Illinois, que inclusive aparece como amigo de Bobby Seale no filme da Netflix, mas sob o prisma de William O’Neal, um homem negro que se infiltrou nos Panteras Negras a mando do FBI e foi responsável pela traição que levou à tragédia de Fred Hampton.

O Partidos dos Panteras Negras é apresentado de duas perspectivas, vemos sua luta não só por respeito, mas por acesso gratuito à saúde e até o programa de café da manhã grátis para crianças negras. Os Panteras Negras seguiam o viés socialista e tinham um senso de comunidade muito grande. Por outro lado, somos apresentados também à violência que podia acontecer, os membros estão constantemente armados de forma escancarada e muitas vezes recorriam à táticas menos pacíficas. O FBI, por sua vez, se utilizava dessa dualidade e da reação dos Panteras Negras à violência com que sempre foram recebidos, para compará-los com a Kun Klux Klan, tentando convencer O’Neal de que eram até piores que os supremacistas brancos, sem levar em conta o racismo e violência praticados pelo próprio FBI.

Há que se destacar o excelente elenco que é um dos pontos mais fortes de Judas e o Messias Negro. Lakeith Stanfield e Daniel Kaluuya, que já haviam trabalhado juntos no sucesso Corra!, se encontram mais uma vez e o resultado é explosivo. Kaluuya acerta em cheio na confiança por vezes radicais de Fred Hampton, que era um líder e uma ameaça ao governo racista de Nixon e acaba se tornando um Messias por conta da perseguição do próprio governo. Já Lakeith Stanfield consegue traduzir primeiro o egoísmo latente de O’Neal e, posteriormente, suas batalhas internas quando passa a se perceber como um homem negro oprimido pelas mesmas pessoas para quem ele trabalha e durante muito tempo lhe serviu como modelo de vida. O’Neal entende o lugar que ocupa para os Panteras e também para o FBI, e seus dilemas são dominados por Stanfield de forma muito honesta.

O restante do elenco é também de muita qualidade, com ênfase em Dominique Fishback como Deborah Johnson, uma ativista dos Panteras Negras e, mais tarde, namorada de Hampton.

Judas e o Messias Negro consegue ser cativante ainda que desconfortável de se assistir, sobretudo quando podemos perceber tantos paralelos dessa luta do final dos anos 60 com situações do nosso dia a dia mais de 50 anos depois. É difícil ver o quanto ainda precisa ser mudado e quantas injustiças ocorreram no passado e continuam ocorrendo hoje.

O filme pode não ser biográfico, mas é quase tão poderoso quanto sua mensagem e vale um destaque também à trilha sonora que contribui para a força narrativa e faz com que esse seja um dos grandes filmes da temporada, com indicações pelas atuações ao Globo de Ouro, Critics Choice Awards e SAG Awards.

Judas e o Messias Negro estreou em 25 de fevereiro e já está disponível em cinemas de todo o Brasil.

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