Steve Harmon, um garoto negro de 17 anos, vai preso depois de ser acusado de homicídio. Em “Monstro”, conhecemos parte de sua vida na prisão e flashbacks dos eventos que levaram ao assalto que acabou em homicídio, até o julgamento que vai declarar sua culpa ou inocência.
O filme distribuído na Netflix foi lançado no festival Sundance em 2018 e é uma adaptação do livro homônimo de Walter Dean Myers escrito em 1999, mas o tema é mais atual que nunca, um garoto negro, sem antecedentes criminais, de uma família de classe-média e um aluno exemplar na escola é acusado de cometer homicídio depois de um assalto que deu errado a um armazém de bairro. Já no começo do julgamento é taxado de monstro pelo promotor e é obrigado a comprovar sua inocência para um sistema falho e racista.
Seguindo a forma narrativa do livro em que foi baseado, o filme é narrado por Steve como se ele estivesse escrevendo o roteiro de sua história, mas isso funciona mais no livro do que no filme, algumas vezes o voice-over de Steve acaba passando um pouco do ponto e se torna muito dramático, podendo atrapalhar os fatos sendo contados.
A vida de Steve através dos flashbacks nos apresenta a um menino sensível e inteligente, apaixonado por assistir e fazer filmes, ele tem amigos e uma namorada, um irmão mais novo que o vê como ídolo e pais envolvidos e preocupados com seu bem-estar. No entanto, basta uma proximidade com as “pessoas erradas” para que todo o histórico de Steve seja esquecido e o benefício da dúvida negado.
É através da câmera de Steve que conhecemos Williams King, um traficante local, que apesar de sua vida criminosa faz amizade com Steve e mostra a ele um lado simpático e, por vezes, divertido, porém, quando pede para que o menino vigie a porta do armazém que pretende roubar (mas sem contar essa informação ao Steve), muda completamente a vida de Steve como ele conhece.
Nem tudo na história é só sobre o preto no branco, oito ou oitenta, muito se fala da área cinza que deixa no ar até que ponto Steve é completamente inocente ou se há uma parcela de culpa nas suas ações e omissões. Todas as cenas do julgamento conseguem representar exatamente essa ambiguidade, assim como o racismo que colocou o menino nessa posição.
Dirigido por Anthony Mandler, que até então só havia dirigido clipes musicais, o filme tem um ritmo lento no começo, mas engata no terceiro ato, com a cena final do tribunal. O grande destaque do longa, no entanto, é seu elenco. Kelvin Harrison Jr. dá vida a Steve Harmon e consegue captar sua essência de adolescente tanto nas cenas em que tudo na sua vida está dando certo quanto em seus momentos de desespero e culpa, comprovando mais uma vez seu imenso talento. Os pais de Steve são vividos por Jennifer Hudson e Jeffrey Right, o professor de cinema é vivido por Tim Blake Nelson e todos brilham, apesar de não terem seu potencial explorado ao máximo.
Dentre os filmes mais recentes que tratam de racismo e sua relação com o sistema legal norte-americano, “Monstro” é certamente um dos mais leves, ou menos pesados, talvez por se tratar inteiramente de uma ficção, mas ainda assim passa sua mensagem com eficiência.