NAS ONDAS DA FÉ | TALENTO DO ELENCO E PREMISSA COM POTENCIAL SÃO DESPERDIÇADOS EM HISTÓRIA DÚBIA

O personagem do pastor picareta, mais preocupado com o dízimo do que com a fé, já é um velho conhecido do humor brasileiro, o próprio Marcelo Adnet já fez diversas paródias interpretando esse personagem na televisão, sempre exagerando nos sotaques, entonações e absurdos, criando uma caricatura feita como crítica e, ao mesmo tempo, motivo para riso pela ridicularização. O trailer de “Nas Ondas da Fé” sugere uma extensão desse personagem já conhecido, porém agora com nome e sobrenome e uma personalidade só dele. Hickson é engraçado quase sempre, afinal Adnet é um humorista de primeira, mas Hickson também é um personagem perdido, não só na personalidade, mas em todo o enredo que parece não ter decidido em antemão a que veio.

Hickison, a evolução do caricato pastor picareta, nem ao menos é um pastor de verdade. Ele até chega a frequentar a igreja com sua esposa Jéssika (Letícia Lima), mas profissionalmente ele é um faz-tudo, alternando entre narrações cafonas em carro de telemensagens e consertar computadores. Seu sonho, no entanto, é conseguir um emprego no rádio e por conta de uma confusão ele acaba entrando ao vivo numa rádio evangélica imitando um pastor pedindo 2 reais para cada fiel ouvinte. A confusão acaba gerando um lucro sem igual para a rádio e antes que ele pudesse perceber, estava se passando por pastor, com direito ao seu próprio programa de rádio e seu próprio culto.

A premissa é interessante e juntamente com o talento do Adnet e de todo o elenco, tinha  tudo para ser um bom filme de comédia, desde que tivesse se comprometido com a proposta ou definido previamente a índole de seu protagonista. Hickison começa como um homem honesto, ele só quer um emprego para pagar as contas e ter estabilidade, mas quando começa a ganhar dinheiro como pastor, não passa por nenhuma crise de consciência por estar se passando por algo que não é e pegar o dinheiro de fiéis. Contudo, Hickison também não é, necessariamente, uma pessoa ruim, ele até mesmo reza pelos fiéis, como prometido. Ele se deixa levar pela situação enquanto está confortável para ele, chegando a extremos, como dar ideias de como maximizar o lucro da igreja abusando ainda mais da boa vontade e da ingenuidade dos crentes.

A trajetória de Hickison é confusa e inconsistente, o filme, provavelmente, tenta mostrar que nem tudo é preto e branco e todos temos o potencial para fazer o bem ou o mal, mas isso não é bem construído ou justificado. A história enfraquece até no humor, seu ponto mais forte, e personagens que poderiam ser mais interessantes, como a Jéssika, perdem sua chance de brilhar, ofuscados pelas falhas e falta de coragem do enredo de definir quem são, de fato, esses protagonistas.

A chapa branca pode ser especificamente prejudicial na comédia, principalmente quando consideramos que essa tem como tema central um assunto polêmico como o aproveitamento da fé como meio de extorsão. Ainda que o filme escolhesse pela conclusão óbvia e fácil de que se passar por um coisa que você não é errado, pelo menos teria tomado algum tipo de partido, mas nem isso chegou a fazer. Com pouca criatividade tanto na direção, que muitas vezes tenta adotar uma linguagem mais conceitual que simplesmente não cabe no tom da história contada, seja na construção do enredo que além de não chegar à conclusão alguma nem ao menos elabora um pensamento sobre o tema.

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