Você é um jogador ou um observador? Baseado no livro homônimo de Jeanne Ryan, ‘Nerve’ conta a história de uma adolescente que costuma ser “coadjuvante” da sua própria vida: vive atrás de uma amiga muito mais popular, tem uma paixão platônica que não tem coragem de assumir, etc. No filme, dirigido pelos amigos Henry Joost e Ariel Schulman, a garota em questão é Vee (Emma Roberts), que mora apenas com sua mãe Nancy (Juliette Lewis), quando descobre um jogo online que é uma febre instantânea entre os usuários de internet, pois no jogo, cada um pode escolher o papel em que se sente mais confortável, seja como observador, lançando desafios ou como jogador, cumprindo as tarefas em troca de dinheiro e adrenalina.
Antes de qualquer coisa, ‘Nerve’ já merece elogios por ao menos tentar propagar a discussão entre os jovens sobre os perigos da alienação tecnológica, da efêmera necessidade de ser “popular” nas redes sociais e levantar a reflexão para aquelas pessoas que se escondem atrás de uma tela e um teclado, ofendendo e comentando absurdos, sabendo que estão na segurança do anonimato. Muito deste êxito ideológico, digamos assim, do filme, se deve pelas próprias raízes dos diretores, habituados a trabalhar com este tipo de tema e reflexão – como já haviam feito no documentário ‘Catfish’ (2010), onde seguiam pessoas que se conheciam e até criavam relacionamentos virtuais, sem saber quem realmente estava do outro lado da tela. Mesmo sem se aprofundar na discussão, dispensando propor uma “lição” ao espectador, ao tocar em temas que estão cada vez mais saindo de controle, como a adoração à “cultura descartável”, bem como assuntos mais tensos como “deep web”, “haters” ou “hackers” (ainda que abordados de uma forma um tanto problemática), ‘Nerve’ vai contra as franquias adolescentes, que mais parecem alienar seus fãs com romances bobos e platônicos, demonstrando alguns lampejos de originalidade, o que é extremamente positivo.
Quanto ao roteiro, adaptado pela produtora três vezes indicada ao Emmy Jessica Sharzer, o filme tem bons e maus momentos. Lembram quando eu disse que Vee vivia apenas como uma coadjuvante na sua própria vida? Aos poucos vamos descobrindo que ela age desta forma porque tem medo de magoar a mãe, que acabou se tornando super protetora com o passar do tempo e que Vee passou a arriscar cada vez menos, por conta de um trauma ocorrido há algum tempo na sua vida. Com isso, se justifica o discurso de suas amigas incentivarem a garota a aproveitar mais sua vida. Embora não seja uma abordagem nada original (filmes como ‘Sim, Senhor’ (2008) ou ‘Vidas em Jogo’ (1997) e muitos outros já o fizeram de forma bem semelhante, ou até melhor desenvolvida), é coerente com o que conhecemos da personagem até então e, portanto, não incomoda. A protagonista parece mesmo uma personagem “real”, movida a notícias de “Huffington Posts”, “spotifys”, viciada em celular e redes sociais, etc. Sem querer dizer aqui, é claro, o que é certo ou errado, até porque quem de nós pode dizer que está totalmente alheio a essas ferramentas que eu mencionei?
Mas nem tudo são flores em ‘Nerve’. A dupla de protagonistas, formada por Emma Roberts e Dave Franco – que já co-estrelaram o clipe ‘Go Outside’ da banda Cults – até agradaram em alguns papéis onde foram coadjuvantes (como em ‘Vizinhos’ ou ‘Família do Bagulho’), mas demonstram pouca química e o pior, baixa capacidade dramática, ou seja, quando precisam entregar mais do que o simples papel de adolescentes – que fazem muito bem – quando o tom fica mais sombrio, especialmente no último terço do filme, não conseguem convencer na emoção ou tensão que seus personagens deveriam estar sentindo naquele momento. Outra coisa que incomoda um pouco é que, embora um personagem “x” da história comece a ter inveja de Vee e se torne um “antagonista” para a heroína de forma até coerente e plausível, posteriormente há uma espécie de melodrama meio que de “amizade” entre os dois personagens que não fica muito convincente, pois não houve uma preparação anterior bem construída, que mostrasse sua relação de proximidade antes da inveja começar a tomar conta de um deles (todo esse enigma da minha parte é para não soltar nenhum “spoiler” indesejado).
Outro ponto no qual o filme deixa bastante a desejar foi na forma como aborda alguns temas mais “tensos”, como Deep Web ou Hackers, por exemplo. Apesar de serem assuntos de extrema relevância e um dos maiores perigos da sociedade atual, por lidarem com roubo de informações sigilosas das pessoas e representarem uma ameaça “invisível” para os governos de todo o mundo, por algum motivo a direção achou necessário abordá-los com um eufemismo irresponsável, por meio de um grupo de hackers “bonzinhos” que entra e sai da sua conta bancária ou navega livremente pela “Dark Web” (uma camada ainda mais perigosa que a Deep), para fazer não se sabe o que exatamente, pois o filme não explica e o pior, mostra isso como uma coisa “boa” – uma das personagens diz que não é a “Hacker Queen” (seu nome é Kween) à toa. Além de ser bastante implausível, pois eles dão seu endereço a torto e a direito por aí…
A respeito das áreas técnicas do filme, há pontos muito positivos, como a seleção de músicas bem “indies” da trilha sonora, até pelo baixo orçamento do filme, mas que combinou muito bem com a trama e a ambientação das cenas. Joost e Schulman sabem usar muito bem alguns recursos visuais na imagem, que dão um ar e passam uma linguagem muito mais moderna para se comunicar com o público-alvo do filme, ou seja, os mais jovens e mostram mais uma vez que sabem os atalhos para dialogar com essa audiência. ‘Nerve’ se leva até mais a sério do que o esperado, mas ainda tem bons momentos de humor, que trazem certa leveza para a trama (usam até vídeos engraçados, virais do Youtube para simular que são jogadores de Nerve, o que é bem engraçado), além da voz que narra o jogo lembrar bastante o Hal 9000. Apesar do final ter perdido a força por tentar se passar todo em uma noite e acabar parecendo muito apressado, ‘Nerve’ acerta, também, por não ter dado um foco maior ao romance da dupla do que para a própria história que queria contar, e em uma época escassa de filmes jovens que façam mais “refletir” do que “alienar”, é uma surpresa no mínimo interessante.