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‘Arrisque tudo’.

‘No Fim do Túnel’ é uma co-produção entre Argentina e Espanha que conta a história de Joaquín (Leonardo Sbaraglia), um engenheiro de computação paraplégico que está alugando um cômodo no terraço de sua casa. Até que aparecem no meio da noite Berta (Clara Lago) e sua filhinha Betty (Uma Salduende) procurando um lugar para ficar. Apesar da chegada das moças parecer ter abalado emocionalmente Joaquín, o fazendo lembrar-se de algo perturbador do passado, sua necessidade por dinheiro fala mais alto e ele acaba hospedando as duas. Em uma espécie de porão onde gosta de ficar trabalhando no conserto de suas máquinas, Joaquín descobre que na casa ao lado, algumas vozes planejam fazer um roubo a banco, e acaba se envolvendo de uma forma extremamente perigosa com os bandidos. A direção e o roteiro são do argentino Rodrigo Grande.

O filme é muito bem equilibrado entre essas três características: o drama do passado de Joaquín, o crime que está prestes a acontecer e principalmente o mistério que envolve todo o filme e faz o espectador querer saber onde tudo aquilo vai chegar afinal. Poderia ser apenas mais uma história de redenção, mas em ‘No Fim do Túnel’ apenas uma coisa é certa: nada é o que parece. Algo que realmente chama a atenção é a expressão visual do filme e o tom noir que ele tem, mesclando alguns elementos clássicos desse estilo como a forte presença das sombras no ambiente em que a trama se passa e a própria presença de uma bela mulher para desestabilizar o julgamento e atitudes dos personagens. Dessa forma, apesar de não trazer nada realmente ‘novo’ para o cinema, o diretor consegue prender a atenção do espectador por meio de uma história muito intrigante que remonta o trabalho de alguns gênios do suspense, como o mestre de todos eles, Alfred Hitchcock (inclusive em umas das primeiras cenas, mesclada com o elemento impactante da chuva forte, a trilha sonora possui um tema que lembra bastante as composições de Bernard Herrmann quando trabalhava em conjunto com Hitch). Se uma das características do cinema noir é ter um detetive que se envolve em um mistério sombrio e macabro, aqui em ‘No Fim do Túnel’ Rodrigo reverte esse elemento contando toda a história do ponto de vista de um homem ‘comum’ e impossibilitado fisicamente, de semelhante forma ao que Hitch havia feito no seu clássico ‘Janela Indiscreta’.

Um aspecto muito positivo do roteiro é como ele equilibra muito bem a linha entre o lógico e o improvável dentro da história. Como a lógica interna do filme é muito bem elaborada, nos fazendo acreditar que a premissa da trama é completamente plausível e os personagens reais (um homem em cadeira de rodas alugando um quarto de sua casa, por que não?), somos capazes de suspender a descrença e relevar mesmo quando uma situação aparenta ir um pouco além da nossa realidade. Isso é característica dos bons filmes, pois não fosse isso, como acreditaríamos em histórias onde dinossauros voltam a vida, peixes atravessam o oceano atrás de seus filhos e etc.? Mas principalmente por se tratar de um thriller, onde neste caso a abordagem é realista (não há elementos fantásticos ou sobrenaturais), essa investida lógica é fundamental, desde a naturalidade dos diálogos até como a relação entre os personagens vai sendo construída, e o filme executa tudo isso de forma muito convincente.

Como eu havia mencionado, a expressão visual do filme é impressionante, uma das melhores que vi este ano, sem sombra de dúvidas. Se passando basicamente em um ambiente, a casa de Joaquín – que foi construída especialmente para o filme em estúdio, de acordo com a visão específica do diretor – houve um esmero muito grande com todos os aspectos técnicos do filme. Sabendo que a escuridão é um elemento muito impactante em filmes de suspense, a casa tem uma áurea sombria, até esfumaçada em alguns momentos. Isso reflete a própria situação emocional do protagonista, pois com o auxílio da fotografia azulada do genial brasileiro/hermano Félix Monti (de ‘O Auto da Compadecida’ e ‘O Segredo dos Seus Olhos’), o ambiente passa um tom melancólico e introspectivo, quase abandonado. Com exceção do porão onde Joaquín passa boa parte do tempo, que conta com uma paleta mais amarelada, possivelmente demonstrando um ambiente mais caloroso, onde o personagem se sente mais à vontade. Por outro lado, de acordo com a psicologia das cores, o amarelo em excesso torna as pessoas mais ansiosas e irresponsáveis e talvez daí surja esse ímpeto do protagonista de ir até as últimas consequências, como sugere o slogan do filme. O figurino também atinge perfeitamente um de seus principais objetivos, que é demonstrar um retrato da personalidade do personagem mesmo sem ele dizer nada, como acontece com Berta, por exemplo.

A direção de Rodrigo também é muito bem executada. A movimentação de câmera bem lenta pelos ambientes da casa serve muito bem à proposta do filme, pois ela aguça no espectador a vontade de ver logo o que a câmera vai mostrar, gerando uma antecipação do suspense enorme na sua mente. O diretor sabe também utilizar o fora de campo (ou seja, aquilo que sabemos que está acontecendo, mas não vemos no momento) para despertar a curiosidade no público da mesma forma como o personagem está curioso. Além da câmera posicionada à altura de Joaquín sentado na cadeira de rodas, nos fazendo ver o filme como ele ‘vê’. Isso gera uma empatia enorme do espectador com o personagem, pois nos acostumamos a enxergar seu ponto de vista e consequentemente sofremos juntamente com ele ou ao menos nos preocupamos com o que vai lhe acontecer. Em um bom suspense ou thriller, tudo isso é fundamental. Outro diretor cultuado que parece ter sido homenageado por Rodrigo é Quentin Tarantino, pois além de impasses e imprevistos que podem colocar tudo a perder, há um elemento genial de foreshadowing – algo que é mostrado antes e aparentemente sem importância, mas que vai ser fundamental lá na frente, quando todos já estiverem pensando em outra coisa. Afinal, cinema também é entretenimento e precisa ser divertido para entreter.

Para finalizar, ‘No Fim do Túnel’ alcança o status de melhor filme de suspense do ano, o que é muito interessante por se tratar de um filme argentino sem Darín, por incrível que pareça, e por haver outros bons nomes como ‘O Homem Nas Trevas’, por exemplo. Leonardo Sbaraglia vem se provando cada vez mais um excelente ator, já havia participado de ‘Relatos Selvagens’ e do elogiado ‘O Silêncio do Céu’ e aqui entrega mais uma atuação difícil, porém excelente. Outro destaque vai para Pablo Echarri como Galereto, o principal vilão, com sua voz rouca e intimidadora, compondo um personagem realmente assustador (como na cena da tortura, por exemplo). Rodrigo Grande entende muito bem o que é essencial ao gênero, tocando em temas perturbadores (como a subtrama da garotinha Betty), pois toda a atmosfera do filme permite isso. Aprendendo com Hitchcock, ele sabe também que a chave do suspense é a antecipação e consegue fazer uma sucessão de grandes cenas formando uma sequencia impressionante de momentos tensos, que deixa o espectador na ponta da cadeira pouco antes do clímax do filme. O cuidado que teve na forma de como conceber seu projeto também merece elogios, um exemplo disso é o próprio túnel que vai render grandes momentos durante a trama. Construído em proporções reais ao túnel dos bandidos, ele gera uma sensação incrível de claustrofobia, além de trazer um realismo enorme para as cenas. Afinal, nós espectadores não somos bobos e na maioria das vezes sabemos quando estamos sendo ‘enganados’, portanto, essa preocupação em não subestimar o público, por si só já vale uma visitinha ao cinema. Altamente recomendado para quem gosta de um bom thriller e de ver seu emocional sendo levado ao limite.

UM MOMENTO APIMENTADO: A cena da dança de Berta para Joaquín no seu aniversário.




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