O amor romântico concebido pela literatura e pela cultura pop cria mitos em todos aqueles que crescem consumindo aqueles conteúdos e idealizando e projetando aquelas histórias de amor muita das vezes improvável e impossível.
Mas, a vida real tem nuances que a ficção não ousa arriscar tanto. A crueldade é uma delas.
E diante da era dos amores líquidos conceituada por Zygmunt Bauman, os aplicativos de relacionamento unem a urgência dos novos tempos com o idealismo do romance projetado pela indústria cultural numa mistura perigosa.
O documentário da Netflix, “O golpista do Tinder” parte da história da jovem norueguesa Cecille Fijelloy que ao dar match num aplicativo de relacionamentos com Simon Livev se vê encantada. O jovem empresário russo, do ramo de Diamantes, tem uma vida de luxo e poder que poderia impressionar qualquer gata borralheira. Em mês de relacionamento, jantares românticos, viagens pela europa, presentes inesperados e planos de morar juntos no futuro. Era um conto de fadas se tornando real.
Ao mesmo tempo, Pernilla Sjöholm também conhecia o jovem empresário pelo mesmo aplicativo. Se o caso não rolou, uma amizade entre os dois se criou.
Não teria nada de errado, se não fosse o ponto de partida por uma trama assustadora que envolve extorsão das vítimas, ameaças e marcas e traumas pra sempre.
O criminoso, que na verdade é israelense, Simon Livev cria inúmeras identidades e vidas por anos e vai acumulando golpes sem ser preso por isso. A certeza da impunidade move o golpista para seguir usando o aplicativo e caçando nova vítimas potenciais.
O longa dirigido por Felicity Morris usa a inacreditável história real das vítimas e através de uma narrativa bem cinematográfica dividida em 3 atos conta uma história cruel e realista de um vigarista e que expõe bem o que acontece no conceito de gaslighting, o abuso psicológico que deixa a vítima vulnerável a ponto de duvidar da própria sanidade.
A saga do golpista mostra a forma absurda como ele arranca dinheiro de suas vítimas e vai usando isso para bancar uma falsa vida de bilionário que serve de combustível para novos golpes. A perfeição do cruel plano onde ele usa identidades falsas, seguranças contratados e onde ele comete o crime em vários países diferentes para atrapalhar qualquer investigação impressiona por se tratar de uma história real com potencial de excelente Thriller.
A montagem e a construção da narrativa são excelentes fazendo bom uso das novas tecnologias e dramatizações sem pesar a mão e na medida certa.
O documentário cumpre seu papel social em jogar luz sobre os perigos reais dos relacionamentos em tempos líquidos e mostra de maneira singela a importância da sororidade.