Há quem diga que o “mockumentary”, ou o “falso documentário” teve origem na década de 60, em filmes como ‘Culloden’ (1964) e ‘O Diário de David Holzman’ (1967). Em 1983, Woody Allen conseguiu explorar mais o lado cômico do “mockumentary” em ‘Zelig’, mas foi Rob Reiner e seu ‘Isto é Spinal Tap’ quem realmente popularizou esse estilo de filme ao acompanhar uma banda britânica de heavy metal fictícia durante uma turnê desastrosa. Os exageros apresentados por Reiner no filme foram uma forma de sátira à excentricidade das espalhafatosas bandas da época, e o sucesso atingido fez ‘Spinal Tap’ ser considerado uma das comédias mais inovadoras da sua geração. Após diretores como Christopher Guest continuarem com o legado do “mockumentary” de comédia, com filmes como ‘O Melhor do Show’ (2000), as séries de TV também ajudaram a popularizar o estilo, por meio de programas como ‘The Office’ ou ‘Modern Family’. Então se você gosta de algum desses nomes citados anteriormente, fica aqui um nome obrigatório para a sua lista daqui para frente: Taika Waititi.
É isso mesmo. Waititi é escritor e diretor do “mocumentary” que une humor e terror neozelandês chamado ‘O Que Fazemos Nas Sombras’, em parceria com o também ator e amigo de longa data Jermaine Clemant. Não é à toa que a Disney/Marvel já o contratou para dirigir a sequência do poderoso ‘Thor’ – inclusive rola pela internet um “documentário” muito engraçado dirigido por ele chamado ‘Team Thor’, que conta onde o deus Asgardiano estava durante a Guerra Civil. Bom, em ‘O Que Fazemos Nas Sombras’, uma equipe de filmagem acompanha a rotina de um grupo de vampiros que dividem uma casa na Nova Zelândia dos dias atuais. A perfeita mistura de medo e humor vem da aparência assustadora e do perigo que alguns representam e dos problemas que a convivência em conjunto e a diferença de personalidades acabam proporcionando aos moradores da casa.
Como eu mencionei, a diferença de personalidades e de idades dos vampiros é o que torna sua convivência hilária. Viago (Waititi, que lembra Louis de ‘Entrevista com o Vampiro’) é o encarregado de organizar as tarefas de rotina da casa. Um vampiro muito educado e gentil e que preza pela melhor convivência possível entre os moradores. Já Vladislav (Clement) é um vampiro mais tradicional e bruto, que viveu na Idade Média e então tem pensamentos meio ultrapassados (pensem nele como o Drácula de Gary Oldman); Deacon (Jonathan Brugh) é o ‘rebelde’ da turma (parece mais o Drácula de Bela Lugosi). Não gosta de fazer suas tarefas e se acha “super sexy”, fazendo o que bem entende. Completam a equipe Petyr (Ben Fransham, o ‘Nosferatu’), o mais velho e assustador dos vampiros e Nick (Cori Gonzalez-Macuer, o ‘Edward’ de Crepúsculo), um novato que ainda tem muito a aprender sobre ser um vampiro.
Todo o elenco interpreta muito bem seus papéis, deixando bem claras e plausíveis essas características que os diferem e o sucesso do filme não seria possível sem o grande timing cômico e reações dos atores. Waititi sabe também como criar situações extremamente hilárias no cotidiano dos personagens, e mesmo sabendo que são personagens “falsos” do imaginário popular, o espectador acaba rindo porque sente uma empatia com as reações deles, pois há certa humanidade naquelas criaturas. Alguns exemplos de como a direção atinge esse resultado são a forma como eles lidam com a tecnologia moderna, bastante inusitada e a interação desajeitada com os seres humanos e com outras criaturas, como os lobisomens (todos os encontros de vampiros com lobisomens no filme, lembram as gangues de jornalistas se provocando de forma absurda no filme ‘O Âncora’, com Will Ferrell).
Com mais de 120 horas de filmagens, que provam que Waititi quis explorar ao máximo a espontaneidade dos atores, para dar um ar de mais “realidade”, ‘O Que Fazemos nas Sombras’ é uma das maiores surpresas do gênero “mockumentary” desde ‘Isto é Spinal Tap’. Infelizmente não chegou aos cinemas nacionais (o filme é de 2014), mas por outro lado está sendo lançado diretamente em home vídeo para que todos possam ter acesso a essa comédia genial. Impressiona pelo baixíssimo orçamento e pela qualidade dos figurinos e o zelo da direção de arte, sem mencionar os ótimos efeitos visuais e práticos utilizados. O filme se torna mais uma prova de que é possível sim fazer cinema de qualidade com uma boa ideia na cabeça e uma câmera na mão, nadando de braçadas contra a forte onda dos remakes e sequências desinteressantes que têm surgido cada vez mais em Hollywood. O cinema ainda respira.