É uma pena que filmes como ‘A Orgia da Morte’ tenham caído tanto no esquecimento quando, na verdade, deveriam servir de influência a muitos produtores de obras do gênero “terror”. É uma adaptação mais que perfeita, sem falar que é surpreendente ao conseguir aterrorizar sem a necessidade de ser assustador.
Adaptado da obra de Edgar Allan Poe e estrelado pelo mestre do terror, Vincent Price, o filme é também dirigido por um grande idealizar dos filmes B, Roger Corman, sendo esta produção, segundo o próprio Price, uma das melhores do diretor.
O enredo gira em torno do Príncipe Próspero, um terrível governante satanista que impõe medo e esbanja poder e riqueza em um reino ameaçado por uma espécie de peste, conhecida como a “morte vermelha”. Em uma determinada vila, ao se deparar com dois rebeldes que reivindicavam melhores condições de vida para o povo, Próspero tenta executá-los, mas acaba sendo impedido por uma jovem e bela camponesa, Francesca, que intercede a favor dos dois condenados que são seu pai e noivo. O príncipe, de modo a demonstrar seu verdadeiro poder aprisiona os condenados e leva a garota para seu reino, logo depois de mandar queimar toda a vila.
Dentro do seu palácio, Próspero demonstra para Francesca o quanto é poderoso ao ter toda a aristocracia do reino a seus pés, em seus tradicionais bailes. De modo a transparecer a sua verdadeira essência de satanista, o governante tenta fazer Francesca acreditar que todo o seu poder é oriundo do pacto que o mesmo fez com Satã. É quando a garota se mostra uma pessoa bastante religiosa, pura e temente a Deus, fato este que gera inquietude e, ao mesmo tempo, desprezo por parte de Próspero.
Em um dos bailes tradicionais de máscara no castelo do príncipe, o mesmo alerta seus súditos de que a chamada “morte vermelha” se aproxima e que, por isso, ninguém deve usar vermelho durante o evento. Entretanto, dentre os participantes do baile, surge uma figura estranha, trajando vermelho dos pés à cabeça, fato este que irrita o soberano que passa a perseguir a tal pessoa misteriosa. Chegado o momento da revelação a figura, que se mostra masculina, não chega a se revelar, mas ganha a atenção do príncipe com seu discurso imparcial e arcaico sobre o ser humano e suas escolhas de vida para o bem e para o mal. Tal discurso deixa Próspero irritado, mas, ao mesmo tempo curioso, ao achar que aquele homem nada mais é do que o mal em pessoa ou seu tão esperado convidado, o próprio demônio.
A grande surpresa final da referida cena, a da revelação, se revela como o momento central do enredo, onde a figura se presenta, nada mesmo, como a “morte vermelha” que tem como intuito consumir todas as vidas existentes daquele ambiente.
A cena final do filme é mais do que inovadora, pois indica que a história contada não tinha a pretensão de mostrar uma batalha entre o bem e o mal, mas sim, como se pode desenvolver o equilíbrio do mundo moderno por meio da morte, seja de pessoas de bem ou ruins. É o grande mistério do filme, ou seja, a morte é sim a figura central do enredo e não exatamente o Príncipe Próspero.
A mensagem que o filme transmite envolve uma discussão sobre as crenças da humanidade, questionadas até os dias atuais. A referida mensagem “cada homem cria os seus próprios deuses e demônios” diz respeito à escolha de seguir ou acreditar em algo cuja existência pode ser questionada ou até reforçada pelas pessoas.
A história de Edgar Allan Poe, assim como muitas outras criadas por ele, tem como ênfase, não mostrar exatamente o lado sombrio dos personagens de seus contos, mas sim mostrar como o medo propriamente dito é capaz de causar impacto para com o ser humano.
Curiosamente, para quem já leu sobre o autor, é sabido que Poe estava cercado pela “morte” em toda a sua existência, devido às perdas de pessoas de sua família até quanto ao mistério que ronda sobre o seu falecimento. Assistindo ao filme ‘A Orgia da Morte’, bem como outras adaptações de sua obra, como ‘O Corvo’ e ‘Tumulo Sinistro’, pode-se sentir o respeito e o temor dado à figura da morte pelo autor.
Em um vídeo especial de apresentação do filme, feito por Vincent Price no início dos anos 80, o ator é bem claro, de uma forma tenebrosa, de que a produção é reveladora para aqueles que tem curiosidade nos mistérios sobrenaturais e demoníacos, entrando em desvantagem aqueles que não se interessam de forma alguma por este tema.
Em relação à produção do filme, obviamente, todos os aspectos são primitivos, porém muito engenhosos como as vestimentas e cenários. Defeitos estruturais são sentidos em torno das cenas de batalha e seus efeitos sonoros. Contudo no tocante à edição e à fotografia do filme, pode se dizer que foram táticas decisivas e marcantes, o que contribuiu até mesmo na era do desenvolvimento da tecnologia com a chegada do DVD, mesmo que os idealizadores na época não tivessem a intensão de deixar a sua obra visivelmente bem trabalhada para ser assistida de forma bem elegante com imagens belissimamente coloridas décadas após o seu acabamento.
A interpretação de Vincent Price como Próspero dispensa maiores comentários, pois mesmo sem uma renovação marcante, seu personagem convence pela delicadeza, carisma e, ao mesmo tempo, em que se mostra terrivelmente monstruoso. É, com certeza, a marca fascinante deste grande ator.
Quanto aos demais atores do elenco, Corman se deixou seduzir pela beleza esplendida de Jane Asher que viveu Francesca com uma interessante, mas fraca atuação, sem falar na seriedade do curto papel de Haezal Court como a companheira de Próspero. David Weston e Patrick Magee (o mesmo de ‘Laranja Mecânica’) também conseguem convencer com seus papeis secundários. Há um fato também curioso no filme que envolve a então estreante, Verina Greenlaw, que fez uma criança bailarina no filme aos 11 anos de idade. O fato curioso é que a voz da personagem é de uma mulher adulta.
No geral, pode se dizer que este é sim um grande filme de terror, o qual consegue aterrorizar sem necessariamente assustar. Infelizmente, o filme caiu no esquecimento de muitos fãs e até produtores de filmes de terror. Uma pena, pois ‘A Orgia da Morte’ poderia sim ser uma fonte de inspiração para muitos jovens idealizadores que tem o intuito de renovar o terror moderno, procedimento este que é feito sem a mínima atenção à arte, ao sentimentalismo ou até mesmo ao tradicionalismo. Atualmente, o terror moderno, especialmente o hollywoodiano, é voltado muito mais para o entretenimento, para os sustos repetitivos e sem graça, para o sexo e, obviamente, para o lucro, às vezes, sendo este muito baixo.