A primeira vez em que assistimos ‘Amor à Queima Roupa’(1993) de Tony Scott ficamos fascinados com os personagens. Uma prostituta(Patricia Arquette) e um balconista de loja de quadrinhos (Christian Slater) cruzando estradas dialogando sobre filmes de Kung Fu, Elvis Presley, citações de filmes blaxploitation, diálogos impagáveis sobre colonização moura no sul da Itália, e muito, muito sangue. Uma pequena revolução estava para abalar os anos 90. Quentin Tarantino, o roteirista deste road-movie basicão na concepção de ação, mas que já tinha sua maior marca; o domínio de um doutor em sub-culturas.
Patricia Arquete em ‘Amor à Queima Roupa’
Claro que Elvis Presley é parte da mítica do mainstream norte-americano, mas poucos se arriscariam em colocar o próprio rei conversando com o personagem em momentos de reflexão, como um fantasma anjo da guarda que o ajuda em momentos difíceis, pois é isto que para muitos ele representa. Em ‘Assassinos Por Natureza’(1994) a ousadia aumenta quando vemos um casal de serial-killers serem os narradores de seus próprios crimes, e a sociedade midiatizada, família desestruturada e a cultura da celebração à violência serem os vilões reais do filme, mesmo sabendo que nossos ‘heróis’ são loucos sociopatas. Mas assassinos seriais são produto desta sociedade, portanto fazem parte de seu imaginário e tem adeptos, literatura publicada, e sua própria sub-cultura.
Christian Slater em ‘Amor à Queima Roupa’
Mas ainda a direção de Oliver Stone tornava o filme muito alucinógeno e com cara de video-clipe, portanto nosso autor precisava dirigir suas próprias idéias. Em 1992 já havia começado com ‘Cães de Aluguel’, um filme de baixo orçamento que valoriza e estende os diálogos, tornando mafiosos de segunda classe pessoas comuns que tem o ofício de roubar e matar enquanto discutem ‘Like a Virgin’ de Madonna, ou porque garçonetes americanas merecem gorjetas. Sua consagração acontece com ‘Pulp Fiction’(1994), onde o mesmo conceito é melhorado, mas a obra-prima está em ‘Kill Bill’(2004), seu grande retorno após o fracasso de ‘Jackie Brown’(1997), este sim pura blaxploitation.
De lá para cá tudo mudou e Tarantino trouxe aquilo que todos desprezavam, tratando como produto inferior de cultura de massa, os filmes de Russ Meyers, a cultura das Pinup´s, o universo rock’a billy, as produções B de terror Grindhouse, os westerns spaghetti e trilhas sonoras impecavelmente bem escolhidas para o público leigo ou elitista, mas com o verniz de Hollywood.
Depois de anos ele se tornou certamente previsível. Já sabemos o que esperar de seus filmes, mas com certeza seu maior mérito foi ter dado a oportunidade de uma geração inteira que tem carência de bons cineastas, ver filmes que nos lembram o cinemão clássico americano, ou europeu, calcado em bons diálogos e personagens, não em produção ou marketing anabolizado por CGI. Nomes estelares não fazem diferença, porque o dele é que queremos ver no cartaz.
Quando falamos em sub-cultura nos referimos a tudo que está periférico a cultura oficial, da elite, como o jazz esteve por muito tempo associado à cultura black do começo do século XX, até galgar prestígio erudito e ser aceito pelas classes mais altas, daí então toda a rebeldia dos solistas dos anos 40 e 50 como Charlie Parker passou a ser comportamento padrão para os garotos do rock’n roll; mas as sub-culturas só foram assimiladas pelo advento do mercado de cultura de massa, e nada representa melhor isto do que o cinema.
Tarantino sem dúvida é a síntese mais bem acabada de alguém que teve acesso a tudo isto e assimilou como ninguém todos os signos do audiovisual de seu tempo, mas ainda continua preso ao século passado. Isto faz dele quase um cineasta retro, mas estamos aqui para aguardar uma próxima mudança.