8.7/10

Ainda Estou Aqui

Diretor

Walter Salles

Gênero

Drama

Elenco

Fernanda Torres, Selton Mello, Fernanda Montenegro

Roteirista

Murilo Hauser e Heitor Lorega

Estúdio

Sony Pictures

Duração

136 minutos

Data de lançamento

07 de novembro de 2024

Rio de Janeiro, início dos anos 70. O país enfrenta o endurecimento da ditadura militar. Estamos no centro de uma família, os Paiva: Rubens, Eunice e seus cinco filhos. Vivem na frente da praia, numa casa de portas abertas para os amigos. Um dia, Rubens Paiva é levado por militares à paisana e desaparece. Eunice - cuja busca pela verdade sobre o destino de seu marido se estenderia por décadas - é obrigada a se reinventar e traçar um novo futuro para si e seus filhos. Baseada no livro biográfico de Marcelo Rubens Paiva, a história emocionante dessa família ajudou a redefinir a história do país.

Que momento para o cinema nacional. Dentre tantas boas surpresas esse ano, ainda chegamos ao ápice com “Ainda Estamos Aqui”. Não é surpresa que um filme dessa qualidade tenha sido feito, mas é impressionante e revigorante ver como ele conseguiu fazer com que o povo brasileiro se una para defender uma obra nacional com a força que defende o esporte, por exemplo. Isso, por si só, já faz desse um filme único, a ser celebrado, mas é ainda mais satisfatório poder constatar que todo o barulho em torno dele é justificado e mais do que merecido. Não que houvesse alguma dúvida acerca do talento de Walter Salles, de Fernanda Torres ou de Selton Mello, mas nem sempre a junção de diversos grandes nomes é sinônimo de sucesso – em Ainda Estou Aqui, certamente é. 

Baseado na história real da família Paiva, que Walter Salles chegou a conhecer em sua infância, o longa é um retrato cruel e real das consequências que um regime totalitário e antidemocrático pode causar. É também uma prova de que essa temática está muito longe de esgotar. Essa mancha no nosso passado relativamente recente (mas estranha e propositalmente esquecido) teve e tem reflexos na formação da nossa sociedade, da nossa política e das nossas famílias até hoje. A família Paiva, encabeçada pelo então ex-deputado do Partido Trabalhista, Rubens Paiva sentiu na pele as obscuridades desse governo arbitrário. O filme, assim como a vida dessa família, é dividido em duas partes extremamente distintas. 

“Ainda Estou Aqui” começa como um sonho. No começo da década de 70, uma família de pai, mãe e três filhos morando numa grande casa de esquina, do lado da praia no Rio de Janeiro. Lotada de crianças, adolescentes e amigos da família, a casa é viva. Música está sempre tocando, sempre tem comida na mesa, as crianças entram e saem a toda velocidade e o sol entra por todas as janelas. É um ambiente aconchegante e ao mesmo tempo simples, e você se encontra querendo fazer parte de tudo aquilo. É um bom lembrete de que durante a ditadura, tudo poderia mudar num piscar de olhos. Rubens Paiva (Selton Mello) ainda mantinha alguns contatos da sua época de político, apesar de não ser particularmente ativo na área, e tentava manter esse lado completamente separado de sua vida familiar. Ainda assim, quando fiscais do governo batem à sua porta, ele é levado sem qualquer explicação – e nunca mais é visto por sua esposa ou filhos. 

“Ainda Estou Aqui”, assim como a vida da família, é claramente dividido entre duas partes, antes e depois do sequestro de Rubens. Quando os militares entram na casa, depois de levarem Rubens e voltarem para levar Eunice (Fernanda Torres) e a filha do meio, uma das primeiras coisas que eles fazem é fechar as portas, as janelas, as cortinas, e o sol já não entra mais. Eunice, que até então era uma dona de casa cuja únicas preocupações eram cuidar da casa, do marido, dos filhos e entreter os convidados, de repente se vê obrigada a ser o alicerce da família em todos os sentidos – e o faz com uma força aparentemente inabalável e resistente. Ela se torna a representante da família e ainda consegue dedicar parte do seu tempo para investigar o que aconteceu com o marido. É um equilíbrio delicado entre força, frieza e emoção reprimida que não poderia ter sido tão bem representado por uma atriz qualquer – o que obviamente não é o caso aqui.

O filme é baseado no livro homônimo de Marcelo Rubens Paiva, o filho mais novo do casal, e nele a história é contada a partir da perspectiva de Marcelo e de suas memórias. Para o filme, no entanto, Walter Salles tomou a acertada decisão de trocar o foco para Eunice; mais acertada ainda é a escolha de Fernanda Torres para esse papel. Eunice Paiva traz em si todas as altercações desse período conturbado da nossa história, passado por uma transformação brusca no caminho e Fernanda Torres coloca em jogo todo seu talento para passar emoção sem qualquer apelo. Uma coisa que chama atenção na narrativa é o fato de não haver um momento de catarse, uma crise de choro, ou qualquer coisa do tipo, que venha como um reconhecimento da perda de Rubens, tudo é contido, mas por um motivo: a família, na “vida real”, também nunca pode viver o seu luto, é esse o fruto da ditadura e do desaparecimento, a ausência sem um encerramento, uma conclusão e é absolutamente impressionante como Walter Salles (e seu grande elenco) consegue retratar essa sensação muito mais em imagens do que em palavras. 

Que “Ainda Estou Aqui” merece a atenção não só do público, mas também das premiações, é óbvio – Oscar incluso. A movimentação do público tem sido um grande presente para o cinema brasileiro (como o filme também é) e traz esperança de dias melhores para essa indústria. É ainda melhor ver tamanho interesse do nosso povo num filme sobre um assunto tão relevante e inevitavelmente atual, uma junção de arte e consciência política que só pode ser alcançada com a combinação certa de fatores, atuação, direção, fotografia e emoção, tudo que “Ainda Estou Aqui” tem na melhor qualidade. É provável que a tão desejada indicação ao Oscar aconteça, mas como a própria Fernanda Torres tem feito questão de ressaltar em suas entrevistas, a atenção que o filme tem recebido, sobretudo de seu próprio povo, é a verdadeira vitória e já faz parte da história do cinema brasileiro. Sorte a nossa.

 

Por Júlia Rezende

10

Missão cumprida

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