BlackBerry
Diretor
Matt Jonhson
Elenco
Jay Baruchel, Glenn Howerton, Mat Johnson
Roteirista
Matt Johson e Matthew Miller
Estúdio
Diamond Filmes
Duração
120 minutos
Data de lançamento
12 de outubro de 2023
Antes de existirem os smartphones como conhecemos, ou até mesmo o iPhone, existia o Blackberry. Apesar de ser mais focado no público corporativo, o Blackberry ainda era um sonho de consumo pra muita gente, trazendo tecnologias nunca antes vistas, como seu próprio sistema de mensagens, como o do iOS hoje em dia, enquanto todos os outros ainda usavam o antigo SMS. E embora tenha sido pioneira e determinado o rumo das tecnologias para celulares que temos agora, a empresa canadense faliu depois de seu sucesso meteórico, chegando até a fechar suas portas e encerrar as operações em 2022.
O filme Blackberry, do diretor e ator Matt Johnson (que também atua no filme), conta a história da empresa Blackberry desde quando ainda era Research in Motion, sua ascensão e queda. Uma história com um início como a de Blackberry costuma ter um desfecho muito diferente, e isso por si só já torna o enredo instigante, mas a abordagem sarcástica e sagaz de Matt Johnson é o que faz dela digna de filme. O jogo de câmeras, com close-ups e e encaradas à la The Office transparecem a absurdez de uma empresa que tinha tudo para ser uma líder mundial (e por alguns anos realmente foi), só para acabar no esquecimento, por conta do narcisismo, egocentrismo e masculinidade tóxica de um amplo grupo composto unicamente por homens.
No início, Mike (Jay Baruchel) e Doug (Matt Johnson) eram melhores amigos e nerds “inofensivos” que, juntos, fundaram a Research in Motion, uma empresa de tecnologia com ótimas ideias e péssima gestão. Os dois tinham boas intenções, mas nenhum conhecimento sobre o mundo corporativo e sobre como vender essas ideias para potenciais clientes. Eles gostam de se divertir, de assistir filmes, jogar videogames, fazer referências à cultura pop e, no tempo livre, criar tecnologia que a maioria dos engenheiros nem pensava em criar. Esse era o padrão não só de Mike e Doug, mas também dos outros engenheiros/amigos que embarcaram nessa com eles, formando uma grande família, com direito à noite de filme e tudo mais. Era, provavelmente, o ambiente de trabalho perfeito pra saúde mental, mas definitivamente não para a saúde financeira da empresa e quando eles, inevitavelmente, perdem mais uma venda, mas chamam a atenção de um empresário “sério”, começam a passar por mudanças, umas positivas, outras nem tanto.
O empresário em questão é Jim (Glenn Howerton), um tipo truculento e metido a esperto, sem escrúpulos para defender seus próprios interesses. Mike vê nele uma força que acredita não ter e o enxerga como um tipo de modelo não só de profissionalismo, mas também de masculinidade, cedendo espaço para Jim na empresa e nas principais decisões. E é com essa personalidade que Jim chega ao topo da Research in Motion e, passando por cima de tudo e todos (inclusive das leis), muda a cultura da empresa, dos funcionários, e deixa a (agora) Blackberry com sua cara. Burlando as regras é muito mais fácil chegar aonde se espera, e é assim que a Blackberry se torna a marca número um de celulares no mundo e o principal player desse mercado.
O que um dia vez da BlackBerry uma empresa ímpar: a paixão de seus fundadores, a amizade e bom relacionamento entre os funcionários, a qualidade acima da quantidade, tudo isso foi se desfazendo sob o comando de Jim, cujos ideais estavam bem distantes e a empresa foi, nem tão aos poucos assim, se tornando uma empresa como qualquer outra, com o agravante de ter um megalomaníaco como co-CEO, um homem mais interessado em gastar dinheiro com seus times de hockey (de novo, por ter sentido sua masculinidade ameaçada por um outro figurão) do que de fazer sua empresa rodar e se manter no topo por sua qualidade e não pelo lucro. Mas não foi apenas o DNA da empresa que mudou, Mike mudou junto com ela numa tentativa de se tornar uma cópia de Jim, a quem ele tanto admirava e foi tudo por água abaixo. Escândalos fiscais, junto com uma série de variadas decisões duvidosas e desvio de liderança já levariam a BlackBerry à ruína naturalmente, mas esse processo foi acelerado com a chegada do iPhone, aliado à falta de foco da equipe.
Como filme, esses eventos reais foram muito bem construídos para criar uma história previsível (afinal de contas, de uma forma ou de outra já sabíamos do destino da empresa), mas ainda instigante e surpreendente. O elenco composto apenas por homens demonstra a singularidade dessa história que pecou, na vida real, justamente por sua falta de perspectiva, pela certeza absoluta de homens que lutavam para provarem ser mais do que de fato eram. Trazendo elementos pontuais e inteligentes, como o chiar de máquinas, o filme mostra que Mike, depois de tantas reviravoltas e tentativas de se diferenciar, foi condenado justamente pelas concessões que fizera, não só pela empresa, mas por seus amigos, funcionários e, principalmente, seu talento.
Por Júlia Rezende