Malu
Diretor
Pedro Freire
Gênero
Drama
Elenco
Yara de Novaes, Juliana Carneiro da Cunha, Carol Duarte
Roteirista
Pedro Freire
Estúdio
Duração
100 minutos
Data de lançamento
31 de outubro de 2024
O cinema brasileiro tem nos presenteado com diversas surpresas esse ano e Malu é uma das maiores. Traçando uma carreira brilhante em festivais, incluindo Sundance, Mostra de São Paulo e Festival do Rio, esse último com 4 prêmios, o filme agora chega aos cinemas brasileiros e merece uma atenção especial para além dos festivais. Enquanto muitos filmes do nosso cinema atual se inclinam para o minimalismo, a não-ação, “Malu” aposta nos exageros, que nem ao menos parecem exagerados quando considerados dentro do contexto dessa história que transborda sentimentos e personalidades, atingindo extremos, mas ainda se mantendo cruelmente real. Assistir “Malu” e não sentir nada é praticamente impossível, assim como esquecê-lo, coisa que tenho certeza de que a atriz Malu Rocha real (sim, essa é uma história baseada em pessoas reais) consideraria uma grande honra.
Com o trauma geracional ditando o ritmo das relações, “Malu” traz como protagonista a atriz Malu Rocha (Yara de Novaes), uma mulher chegando na meia idade, mas que não é definida por números e sim por memórias do passado e esperanças para o futuro. Malu viveu sua juventude num Brasil de censura e ditadura e até hoje se vangloria de sua rebeldia e inconformismo, contando histórias e mais histórias sobre como ela e seus amigos desafiaram a polícia para fazer sua arte, fumar sua maconha e simplesmente viver suas vidas como queriam. São histórias de encher os olhos, contadas com um fascínio e uma vivência que te envolvem de forma arrebatadora e te fazem crer que Malu foi, de fato, essa figura transgressora, excepcional – e ela realmente foi, mas assim como o verbo, sua carreira ficou no passado, ainda que sua personalidade continue ímpar. As histórias de grandeza de Malu contrastam diretamente com todo os outros elementos do filme, o figurino simples, a casa sempre em obras por fazer, a fotografia que intercala luz com sombras, mas sempre deixando mais espaço para as sombras. No ideal de Malu, tudo é mais bonito, mais glorioso do que realmente é.
Malu mora com sua mãe, Lili (Juliana Carneiro da Cunha), com quem tem um relacionamento completamente conturbado, cheio de altos e baixos (muito mais baixos), chegando até mesmo ao ponto de agressão física. As duas parecem falar línguas diferentes, separadas pelas barreiras de suas crenças e experiências, que em vez de se suavizar com o tempo, apenas se intensificaram. Junto com elas, na casa dos fundos, mora Tibira (Átila Bee), amigo e confidente de Malu e personificação de todas as diferenças entre mãe e filha. Tibira é um homem preto, gay, afeminado e teatral, cheio de glitter, cheio de vida, e objeto de desprezo de Lili, que pauta suas opiniões sobre o rapaz em cima de preconceitos, racismo, homofobia, ao mesmo tempo em que o acusa de ser um aproveitador abusador – mesmo que nunca tenha havido qualquer situação que pudesse levantar esse tipo de suspeita, mas ela insiste que essa é a natureza de qualquer homem, independente de orientação sexual.
Quando Joana (Carol Duarte), filha de Malu, volta ao Brasil depois de uma temporada na França, as relações já instáveis se estremecem ainda mais. É aí que o roteiro e direção de Pedro Freire mais brilham, com uma sensibilidade incrivelmente crua e real, entendemos aos poucos as motivações e traumas dessas três mulheres que parecem espelhar, de certa forma, o comportamento daquela que veio antes. As situações, mais que os diálogos, expõem os relacionamentos fraturados, cercados de mágoas, mas também pautados no amor. Nada entre essas 3 mulheres é apenas uma coisa ou outra, e elas têm a tendência de querer demonstrar amor e ódio na mesma proporção. Esse tipo de conflito exige atuações de primeira linha para não passarem do ponto, e isso é justamente o que encontramos aqui. Yara de Novaes é uma grande força nesse filme, capaz de nos fazer acreditar em cada uma das histórias do passado e de sonhos do futuro. Malu tem planos de construir um centro cultural com seu nome em cima da casa inacabada, e sempre fala deles com a certeza de que vai se realizar, ainda que nada pareça levar a esse caminho. Os devaneios da atriz, sobre passado e futuro, só fazem impedi-la de viver o presente, o que parece ser seu objetivo no final; o passado foi glorioso, promissor e o futuro traz a esperança de novas oportunidades, enquanto o presente pouco tem a oferecer. Sua insistência em ignorar a realidade é transmitida com maestria por Yara, que encontra um talento à altura em suas antagonistas, principalmente Carol Duarte.
“Malu” é um ótimo representante do cinema brasileiro e emociona do começo ao fim sem precisar apelar para o drama. Mesmo que a gente nunca concorde integralmente com qualquer uma das três mulheres da família, é impossível não simpatizar com suas dores e sua humanidade. Sem conhecer a história da Malu Rocha real antes de assistir ao filme, fiquei impressionada ao descobrir que tinha sido escrito e dirigido (e uma estreia na direção!) por um homem, mas quando o filme acaba e o letreiro diz ser uma história real, baseada na própria mãe de Pedro Freire, tudo faz muito mais sentido. Pedro merece os cumprimentos por ter conseguido não só por retratar uma história tão sensível, de um universo tão feminino, mas principalmente por ter se mantido tão objetivo ao mesmo tempo, escrevendo mulheres humanas num filme completo e profundo, ainda que todo o afeto por sua mãe pudesse transformar o filme em “apenas” uma homenagem.
Por Júlia Rezende