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O Auto da Compadecida 2

Diretor

Guel Arraes e Flávia Lacerda

Gênero

Comédia

Elenco

Selton Mello, Matheus Nachtergaele,

Roteirista

Guel Arraes e João Falcão

Estúdio

H2O Films

Duração

104 minutos

Data de lançamento

25 de dezembro de 2024

Depois de 20 anos desaparecido, João Grilo retorna à pequena Taperoá para se juntar ao seu velho companheiro Chicó. Acontece que agora ele é recebido como uma celebridade na cidade. Afinal, reza a lenda que havia sido morto por bala de espingarda e ressuscitado após um julgamento que tinha o Diabo como acusador, Nossa Senhora como defensora e o próprio Jesus Cristo como juiz. Disputado como principal cabo eleitoral pelos dois políticos mais poderosos da cidade, ele faz de tudo para finalmente aplicar o golpe que vai lhe render muito dinheiro e, quem sabe, vida mansa – como se fosse possível que ele se aquietasse. Só que nada sai como planejado e ele terá de recorrer à Compadecida novamente.

O ano de 2024 foi um grande ano para as sequências e o Brasil faz sua contribuição com a continuação de um dos maiores e mais importantes clássicos da comédia nacional, o inigualável Auto da Compadecida. Lançado em 2000, seu recorte regional, mas temática universal garantiram atemporalidade à obra, que só é revisitada mais de 20 anos depois de sua estreia e com muita ansiedade e expectativa do público. Baseado na obra de Ariano Suassuna, a combinação do texto genial, as atuações brilhantemente cômicas com destaque para Matheus Nachtergaele e Selton Mello e a direção aguçada e pé no chão de Guel Arraes produziu um clássico instantâneo, comprovado por seu legado que atinge até as gerações mais novas. A decisão, portanto, de se produzir uma sequência não deve ser recebida com surpresa, mas é importante que tenhamos em mente que uma sequência jamais anula o conteúdo original e que, no caso de um título dessa grandiosidade, ela não necessariamente vem com a intenção de superar o primeiro, que realmente não pode ser – e não é – superado.

Um dos maiores acertos de O Auto da Compadecida 2 é a consciência de que não é O Auto da Compadecida (2000) e não tentar ignorar as mudanças desde então. Validando o status intocável do primeiro filme, a continuação opta por seguir o seu próprio e distinto caminho, ainda que não afaste de sua essência. O choque entre as duas obras já é aparente desde os primeiros segundos; para a sequência, Guel Arraes aposta numa linguagem visual muito mais plástica, uma mistura que remete aos palcos teatrais, mas também faz uso extensivo de CGI. Por mais que seja quase um oposto do visual que tínhamos em mente quando pensamos em O Auto da Compadecida, não deixa de combinar com o estilo poético adotado, claramente inspirado (e homenageando) nas xilogravuras e literatura de cordel, mais uma forma de honrar a tradição e cultura nordestina. É mais um indício da engenhosidade de Guel Arraes, capaz de demonstrar diferentes facetas, mas sempre se mantendo fiel às raízes. Uma sequência como essa só funcionaria com suas principais peças trabalhando em harmonia e Guel Arraes, Matheus Nachtergaele e Selton Mello garantem que isso aconteça. 

Incorporando a passagem do tempo real, em O Auto da Compadecida 2 descobrimos como anda a vida de Chicó 20 anos depois dos acontecimentos que fizeram com que João Grilo morresse e fosse ressuscitado depois de passar por um tribunal constituído por Jesus, o Diabo e Nossa Senhora. Quando voltou à vida, João Grilo foi embora e sumiu pelo mundo – desde então, Chicó tem se dedicado a contar a história de seu amigo em forma de poesia, criando uma espécie de espetáculo que passou a atrair a atenção de turistas de todo o Brasil e, é claro, cobrando por ele, no melhor jeitinho Chicó. Até então, Chicó andava sozinho, separado também de Rosinha, e o momento de reencontro com o amigo João Grilo é vivido com nostalgia e emoção. João Grilo, que não se lembra de nada do que passou no “além”, não acredita ter sido ressuscitado, o que toma as rédeas do enredo no que diz respeito à religião, tema já carimbado da obra. 

O passar do tempo traz novidades além das ambientações e da nostalgia, o filme também ganha novas vertentes e subtramas, assim como novos personagens. No que diz respeito aos personagens, são todos divertidíssimos, mérito das atuações e tino para comédia de Fabiula Nascimento, Luis Miranda e Eduardo Sterblitch, nem sempre eles casam tão bem com a jornada de João Grilo e Chicó (há momentos em que fica a sensação de ter muita coisa acontecendo ao mesmo tempo), eles brilham sempre que aparecem com diferentes tipos de humor, mas seguindo a linha de Suassuna. O viés político também aparece com esses personagens, embora a crítica social seja uma das colunas da obra original, aqui ela aparece de forma mais escancarada, ainda que não passe do limite. No final, a fé e a amizade continuam sendo o coração e o fio condutor do longa, um ponto muito positivo.

“O Auto da Compadecida” é uma obra insuperável e “O Auto 2” está bem ciente disso, tanto que não faz esforço para tentar substituí-lo, talvez daí venha a decisão de se afastar dele em tantos aspectos, o visual sendo o mais evidente e, possivelmente, mais controverso por poder causar mais estranhamento, principalmente para quem está acostumado com o visual minimalista e natural do primeiro filme. A melhor forma de aproveitar essa sequência é encará-la como uma grande homenagem – ao filme, aos personagens, ao próprio Suassuna – e não como um capítulo essencial de uma franquia. Não é um filme tão marcante, mas ainda é uma boa forma de revistar Taperoá e seus irreverentes habitantes.

 

Por Júlia Rezende

7

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