Pequenas Cartas Obscenas
Diretor
Thea Sharrock
Elenco
Olivia Colman, Jessie Buckley, Timothy Spall
Roteirista
Jonny Sweet
Estúdio
Sony Pictures
Duração
100 minutos
Data de lançamento
25 de julho de 2024
Os melhores filmes baseados em eventos reais são aqueles com histórias tão absurdas que só podem ser verdade. Esse é o caso de “Pequenas Cartas Obscenas”, uma comédia/mistério britânica que chegou aos cinemas sem fazer alarde, mas certamente merecia uma atenção maior. Na história, que é “quase toda real”, como somos informados no começo do filme, as mulheres, e principalmente uma mulher, em Littlehampton, uma cidadezinha da Inglaterra, na década de 20, começam a receber cartas cheias de ódio e palavras de baixo-calão sem qualquer motivo aparente. Essas cartas são anônimas e não parecem ter qualquer justificativa plausível, mas sua constância e profanidade foram o bastante para começar um furor na pequena cidade – até então pacata.
A mulher que recebia a maioria das cartas, e que parecia ser a mais odiada por quem quer que estivesse escrevendo, é Edith (a sempre formidável Olivia Colman). Edith é solteira e ainda vive sob as rédeas curtas dos pais, é um relacionamento nada saudável, os três dormem no mesmo quarto, em três camas idênticas e quando Edith faz algo que o pai julga errado, ele a manda escrever repetidamente frases da Bíblia como punição. Levando uma vida “correta” e esperada de uma mulher solteira, as cartas são um mistério ultrajante e Edith logo faz sua acusação: a vizinha que se mudou recentemente para a casa ao lado e aparenta ser completamente desprendida de tudo aquilo que aprisiona Edith. Rose Gooding (Jessie Buckley) é mãe solteira, vive com o namorado (Malachi Kirby), que é negro, passa seu tempo livre ficando bêbada e cantando no bar local e não mede palavras – nem mesmo para palavrões, assim como quem escreve as cartas. Como Rose é a candidata perfeita para autoria do crime, ela é presa pela polícia da cidade que pouco se esforça para investigar se a acusação é verdadeira ou não. Gladys Moss (Anjana Vassan), porém, não se dá por satisfeita e uma espécie de “whodunnit” sem um assassinato começa a se desenvolver.
Tem muitas coisas que fazem de “Pequenas Cartas Obscenas” um filme especial, mas talvez o seu tom leve e bem-humorado seja a mais relevante. Mesmo com um humor britânico típico, os diálogos inteligentes e as atuações excepcionais transformam o que poderia ser uma história apenas excêntrica por si só, numa experiência cinematográfica verdadeiramente divertida, mas a diversão é apenas a capa dessa história que se prova muito mais profunda e relevante. Aqui, as protagonistas são as mulheres e elas não poderiam ser mais diferentes umas das outras. Rose com seu espírito livre, Edith com todas suas amarras e Gladys com sua determinação inconformada, é a última, inclusive, que movimenta o enredo ao se mostrar mais inteligente que todos os homens na delegacia que a subjugavam sem cerimônia. E essa é uma peculiaridade do filme: todos os homens são meros coadjuvantes ou figurantes em tudo que se prestam a fazer, mas isso não é mostrado com exagero ou obviedade, é apenas a forma natural como essa sociedade de época nos é apresentada e, muitas vezes, ecoa no que vivemos hoje em dia também.
Você certamente nunca imaginou ouvir Olivia Colman falando tantos palavrões quanto ouvirá aqui – e também nunca achou que seria tão engraçado, mas é. A direção de Thea Sharrock sabe os talentos que tem à disposição e faz questão de usá-los da forma mais proveitosa possível, capaz de disfarçar quando o roteiro dá uma deslizada ou outra e sem nunca deixar que essa história seja apenas uma história bizarra esquecida no tempo. Diversas camadas sobre o papel da mulher e como a mulher é enxergada (antes e agora) se fazem presentes de uma forma que te faz refletir sem nem ao menos notar que está refletindo. É uma pena que um filme como esse não receberá a atenção que merece, mas quem assistir, dificilmente se arrependerá.
Por Júlia Rezende