Quem Fizer Ganha
Diretor
Taika Waititi
Elenco
Michael Fassbender, Oscar Kightley, Kaimana
Roteirista
Taika Waititi
Estúdio
Searchlight Pictures
Duração
104 minutos
Data de lançamento
14 de dezembro de 2023
Filmes sobre esporte geralmente são acompanhados de uma história de superação. Ganham pontos se são sobre um time azarão que recebe um personagem marrento e obcecado pela vitória, mas que desdenha as pessoas e mais pontos ainda se é baseado em eventos reais. O novo filme do Taika Waititi, “Quem Fizer Ganha”, tem tudo isso. Como bônus, ainda conta com um elenco cheio de carisma, um enredo com coração e humor leve. Pode não ser a história mais rica ou bem elaborada do mundo, mas às vezes só que a gente precisa é de um filme que aqueça um pouco o coração, e isso “Quem Fizer Ganha” faz.
Há quase uma década, foi lançado o documentário “O Próximo Gol Leva” (mesmo título do filme em inglês), sobre a Seleção da Samoa Americana de Futebol e sua campanha para as eliminatórias da Copa do Mundo de 2014. O que faz dessa seleção um material interessante o suficiente para um documentário e um filme de ficção é o fato de que ela foi considerada a pior do mundo e com um tanto de razão: desde 1994, eles só tinham jogado 30 partidas – e perdidos todas – dentre elas, um placar de 31 a 0 para a Austrália. Foi nesse cenário que Thomas Rongen aparece, um técnico de futebol que não conseguiu classificar a seleção estadunidense sub-20 para a Copa e recebe a proposta de treinar a seleção da Samoa Americana.
No filme, a história começa com o background de Thomas Rongen (interpretado por Michael Fassbender), um homem que não está no melhor momento de sua vida, seja profissional ou pessoal. Sua mulher o deixou, ele tem episódios de raiva que o levaram a perder o emprego e está desgostoso com a vida por conta de um trauma recente, o que só piora quando ele descobre que terá que ir para Samoa Americana pra treinar o pior time de futebol do mundo para tentar uma vaga na Copa do Mundo – e que só terá algumas semanas para isso. Com as licenças poéticas de Waititi para transformar essa numa história fictícia além do documental, Rongen é um homem mal-humorado, desrespeitoso e que coloca a vitória acima de tudo e de todos, mas quando chega à Samoa, logo percebe que terá muito trabalho para manter essa pose, porque ele é recebido pelo que parece ser a comunidade mais simpática e “de bem com a vida” que você pode imaginar.
O povo da Samoa Americana se importa com o time e com o esporte, mas vencer não está na sua lista de prioridades. O futebol como meio de ganhar a vida está longe da realidade dessas pessoas, os jogadores têm empregos nas mais diversas áreas, param para um minuto de reflexão todo dia quando toca o sino e tem muitos outros interesses além do esporte. Para Rongen, esse é seu pior pesadelo, ele vem de uma cultura em que esporte é sinônimo de dor, suor e lágrimas e que tudo vale para alcançar o objetivo final. Esse choque de culturas é o que movimenta a trama, junto com o charme dos personagens samoanos (e do elenco, todos samoanos também) e até mesmo de Rongen que, aos poucos, vai abrindo espaço para novas (e mais saudáveis) ideias.
Em termos de direção, Waititi está em território conhecido. Há quem critique o diretor justamente por isso, mas ele costuma ter seu melhor desempenho quando seu foco está em histórias impulsionadas pela emoção, mas com um otimismo inerente. Em “Quem Fizer Ganha”, ele tem bandeira branca para usar e abusar do divertido sem se preocupar com grandes conflitos e o resultado é justamente o que se espera de uma história com esse tipo de premissa. Um ponto especialmente interessante da história original é a figura de Jaiyah, a primeira pessoa trans a participar de um jogo oficial e que representa uma particularidade da cultura samoana: as pessoas Fa’afafine, considerada por eles como um terceiro gênero referente a pessoas que nasceram biologicamente no sexo masculino, mas que se identificam e foram criadas dentro das convenções do sexo feminino, algo que por eles é visto com absoluta naturalidade. No filme, Jaiyah (Kaimana) é, inicialmente, um ponto de conflito entre Rongen e o time, mas logo ela passa a ter um papel crucial na vida do treinador e a relação platônica entre os dois é um dos pontos altos da narrativa.
A trajetória e a transformação de Rongen durante o filme não é exatamente uma novidade, mas isso não a deixa menos comovente. De qualquer forma, o filme mais brilha quando deixa Rongen como segundo plano e foca na alma e costumes da Samoa Americana, nos mostrando como um gol ou uma vitória podem ser relativos.
Por Júlia Rezende