Segredos de Um Escândalo
Diretor
Todd Haynes
Elenco
Julianne Moore, Natalie Portman, Charles Melton
Roteirista
Samy Burch e Alex Mechanik
Estúdio
Diamond Films
Duração
117 minutos
Data de lançamento
18 de janeiro de 2024
Em Cisne Negro, Natalie Portman interpretou (e ganhou, merecidamente, o Oscar) uma mulher que perde (ou encontra) sua identidade tentando entrar na sua personagem e entregar uma performance convincente – e perfeita. Em “Segredos de um Escândalo”, que teve sua estreia mundial no Festival de Cannes e deve render ao menos algumas indicações ao Oscar, Natalie Portman interpreta uma mulher que muda sua personalidade para entrar em sua personagem e entregar uma performance convincente – e perfeita. E como Natalie Portman faz bem esse papel. As semelhanças, no entanto, param por aí. Enquanto Nina (sua personagem em Cisne Negro) era uma mulher insegura e inexperiente, que se perde inocentemente na busca da personagem, Elizabeth é uma atriz decidida e dedicada, conscientemente focada em mergulhar (e até mesmo invadir) na vida pessoal de sua personagem, custe o que custar e doa a quem doer.
Elizabeth é uma atriz famosa que assina com um estúdio independente para um filme baseado em eventos reais que tomaram conta dos tabloides e noticiários do país pouco mais de duas décadas antes. Para se preparar para o papel, Elizabeth vai para a cidade de Gracie (Julianne Moore), a personagem central do escândalo, onde ela mora com o marido Joe (Charles Melton) e os filhos gêmeos do casal Charlie (Gabriel Chung) e Mary (Elizabeth Yu). Essa família fictícia, e o escândalo em questão, são baseados em eventos da vida real também. Em 1996, a polícia estadunidense descobriu que Mary Kay Letourneau, uma professora de 34 anos, estava em um relacionamento sexual com um aluno de 12 anos. Na época, Mary Kay já tinha 4 filhos e era casada, foi, inclusive, o seu marido que encontrou cartas trocadas por Mary e a criança e contou para polícia, que prendeu Mary Kay por estupro de vulnerável, mas o caso tomou proporções bizarras quando Mary Kay deu à luz, ainda na cadeia, a um filho com seu aluno e, quando liberada, voltou a ter relações com o menino, indo presa uma segunda vez, grávida de novo e, mais uma vez, deu à luz na prisão. Quando saiu, 6 anos depois, casou com seu ex-aluno e eles ficaram juntos por 14 anos até se separarem. Vili Fualaau, o aluno que virou marido, nunca terminou o ensino médio e lutou por muitos anos com doenças como alcoolismo e depressão, chegando até mesmo a tentar se suicidar.
No filme, a história é um pouco diferente. Gracie não era professora, e sim chefe de Joe numa pet shop. Ela era casada, mas só tinha um filho, Georgie (Cory Michael Smith), que era colega de classe de Joe e foi pega no flagra com o menino durante o trabalho. Elizabeth chega à casa da família 25 anos depois do famigerado escândalo, com a intenção de estudar para interpretar Gracie em seu filme, e encontra o que, à primeira vista, parece ser uma família perfeita. Conversando com uma vizinha do casal, Elizabeth ouve que o casal é muito estimado pela comunidade e nada parece fora do lugar, apesar de tudo que, obviamente, começou num lugar errado. Mas o fato de que as aparências enganam é o cerne de toda a questão em “Segredos de um Escândalo”, e um filme com essa temática só funciona com um elenco capaz de segurar as nuances e as quebras de expectativa do que conhecemos de cada personagem e permanece em mutação por toda a duração do filme. Por sorte, o filme de Todd Haynes conta com duas vencedoras do Oscar, Natalie Portman e Julianne Moore e o “novato” Charles Melton, formando um trio impressionante que, a cada cena, dá uma aula de atuação.
Desde a cena inicial, “Segredos de um Escândalo” estabelece uma relação com a desconstrução – das aparências, das personalidades, das histórias e pontos de vista como um todo. Enquanto Elizabeth tenta desvendar a mente e as motivações de Gracie, se aproxima também do restante da família e de suas conexões com o passado, mas mesmo tentando absorver a personalidade de Gracie a ponto de espelha-la (até literalmente, com uma cena entre as duas na frente de um espelho que condensa toda a relação entre as duas em um breve, mas decisivo momento), Gracie prova ter um controle absurdo sobre a forma como é percebida pelos demais e seu poder de manipulação desafia as convicções de Elizabeth sobre ela, sobre si e sobre a situação como um todo. Como em “Cisne Negro”, a vontade de entender – e de certa forma substituir – outra pessoa para desempenhar um papel, leva a atriz a tomar atitudes que antes, lhe seriam desconhecidas.
Um dos elementos mais instigantes do filme é a percepção de Joe sobre seu relacionamento com Gracie e seu papel dentro da família e como ela muda com a chegada de Elizabeth. Um homem que, de certa forma, ainda está preso à sua infância roubada por Gracie e por toda a situação a que foi submetido, mas tenta ser o homem que Gracie promete que ele sempre foi. Seus conflitos internos e dificuldades de desenvolvimento são retratados por Charles Melton de forma sutil, mas poderosa, combinando perfeitamente com a quietude forçada de Joe. Todd Haynes soube aproveitar todas essas características, para criar um clima de tensão, mas que mescla a seriedade com toques de absurdo, dando espaço para outras situações, sem nunca desviar o foco dos três protagonistas – um grande acerto já que eles são a alma do filme.
Por Júlia Rezende