Tecnicamente surpreendente, “Clímax” é mais uma perturbadora loucura de Gaspar Noé

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Misógino, machista, sexista, polêmico e provocador. Esses são alguns dos “elogios” que sempre rondaram o cineasta argentino Gaspar Noé dentre seus 30 anos de carreira. Ainda que os xingamentos prevaleçam quando se trata do diretor, ao olhar o profissional ao invés da persona, o principal termo que combina com ele é formidável. É quase impossível falar de Noé sem citar suas obras pesadas, sombrias e incômodas.

Ainda assim, o argentino só prova cada vez como consegue ser tecnicamente impecável. Com Clímax, sua qualidade permanece ainda mais evidente e traz muito do que foi visto em Irreversível (2002). Mas são poucos que possuem estômago para aguentar suas obras até o final.

Nesse novo passeio frenético, o espectador não é apresentado a uma narrativa em si e sim uma vivência energética de perda de controle na base de músicas e drogas. Isso faz de Clímax uma obra ainda mais próxima de um documentário a uma ficção. O próprio Noé falou disso durante a coletiva que o Super Cinema Up participou com a presença do diretor. Baseado em uma história real, mas se aproveitando apenas do contexto geral ao invés de tratar de fato por fato, Noé provoca esteticamente com suas cores fortes e sua câmera em constante movimento, como se estivesse dançando junto com seus personagens.

Sobre sua câmera, o argentino entrega um trabalho técnico impressionante, com apenas três pontos estéticos. Por trazer essa característica mais documental, o diretor já inicia Clímax com declarações dos personagens em uma câmera estática em plano longo. Noé também deu liberdade total para o improviso do elenco, dando ainda mais credibilidade para a realidade problemática que o diretor quis passar. As imagens, transmitidas através da televisão, afastam os espectadores daqueles personagens e suas declarações passam sensação de mentiras, por estarem diante uma câmera e protegidos do contato teti a teti.

Em seguida, Noé trabalha mais uma vez um enquadramento estático, porém com movimentos cru da câmera para trazer a apresentação de dança dos envolvidos e nos transforma agora como espectadores mais próximos daquele mundo e passa a sensação de sermos realmente a plateia daquela arte. Logo depois, sua estética muda. Os personagens já não estão mais em grupo e sim em duplas, passando a sensação de afastamento aos poucos. Noé apresenta os diálogos através de diversos cortes secos para vermos o ponto de vista de cada um dos personagens e confirmarmos que as declarações iniciais não eram a verdadeira realidade do grupo.

A direção mantém de novo o enquadramento estático e faz uma aproximação ainda mais forte do espectador para com aquele grupo e vamos entrando ainda mais dentro daquele cenário. A partir de então, Noé adota uma steadicam para, agora, trazer o espectador para completamente dentro daquilo e fazer ele embarcar na loucura coletiva, apesar de Noé tratar os personagens individualmente. Dificilmente a câmera caminha em um grupo, e sim muito em pessoas específicas, reforçando sua ideia, apresentada rapidamente no meio da tela: viver é uma impossibilidade coletiva.  

Diante dessa montagem particular do argentino, tudo é realizado em planos extremamente longos e planos sequências – que chegam a 30/40 minutos – lindos visualmente. O que faz a experiência de Clímax ser única são as imagens e a “narrativa” proposta pelo cineasta em fazer a representação do inferno na terra. A forte fotografia vermelha presente em quase todo os 90 minutos da obra faz quem assiste sentir a verdadeira realidade de tudo aquilo, diante um estado de psicose coletivo. As fortes cenas incomodam e provocam diversas sensações de uma só vez. No entanto, tudo acaba sendo muito gratuito e forçado para Noé entregar seu ponto, e com isso, o argentino prova que suas obras, apesar de experimentos únicos, não são para qualquer um.

Isso não diminui ou fortalece a filmografia do cineasta, porém, reforça sua designação de “único”.

Seu texto, apesar de estar pouco presente, devido sua liberdade de improvisação, consegue discutir muitos pontos sociais em meio a psicose. Em diálogos curtos e pouco desenvolvidos, há discussões sobre aborto, drogas, violência, sexo, arte e relacionamentos sociais. Por mais que pareça gratuito essas frases soltas, Noé consegue construir um verdadeiro espelho da sua visão sobre as pessoas.

Chocar não faz só parte da sua filmografia, como também é a forma de enxergarmos o que o argentino pensa sobre as pessoas e suas relações, o que resulta em algo provocante e incômodo, causando sensações constantes de peso nos ombros e embrulhos estomacais.

Muito se deve também pela liberdade dos dançarinos em tela. Noé foi inteligente em trabalhar toda a loucura coletiva através dos movimentos corporais de todos os bailarinos. Com isso, Clímax entrega uma atuação corporal muito provocadora e potente, na qual é ao mesmo tempo doentia e artística. Sofia Boutella, entre todos, é o rosto mais conhecido do grupo e depois de obras mais comerciais como Kingsman – Serviço Secreto (2014) e Hotel Artemis (2018), ela mostra um potencial artístico único. Sua liberdade corporal faz da argelina/francesa um grande destaque diante todo o problemático cenário do argentino.

Mesmo violentamente gratuito e visualmente incomodador, Noé traz discussões interessantes sobre a psique humana e seu relacionamento coletivo, trazendo visões de Paraíso e Inferno, e tudo isso com uma direção técnica impressionante. Clímax, então, provoca sensações não experimentadas desde Irreversível, o que, apesar da potente direção, não traz muita coisa além de um cenário distópico e provocante, fácil de provocar náuseas e enjoos.

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