THE IDOL | O QUE DEU ERRADO NA SÉRIE DA HBO CRIADA POR ABEL ‘THE WEEKND’ TESFAYE E SAM LEVINSON?

The Idol é uma daquelas produções que já trazem polêmicas e chamam atenção (pro bem ou para o mal) antes mesmo de estrear. A série foi anunciada pela HBO no final de 2021 como “uma história revolucionária e ousada sobre os bastidores da indústria da música”, criada por Abel Tesfaye (ex-The Weeknd), Sam Levinson (criador e diretor de Euphoria) e Reza Fahim, composta por 6 episódios dirigidos por Amy Seimet. 

As polêmicas começaram quando Amy Seimet foi tirada do projeto, mesmo com quase 80% da série já filmada. Dizem os rumores (divulgados pela Deadline) que Amy Seimet foi afastada pelo próprio Abel Tesfaye, que achou que a série estava com uma “visão muito feminina” (apesar da personagem principal ser uma mulher) e colocou Sam Levinson em seu lugar. Quase todas as cenas foram reescritas refilmadas depois das mudanças criativas e novos boatos começaram a aparecer. Dentre eles, o mais relevante foi o artigo divulgado pela Rolling Stones com as alegações de 13 membros da produção de The Idol reclamando sobre o que seria um ambiente extremamente tóxico de trabalho. O principal ponto levantado pelos entrevistados foi o fato de que a série, que deveria ser uma sátira dessa indústria predatória e misógina, acabou se tornando justamente o que tentava satirizar. 

The Idol teve sua estreia mundial no Festival de Cannes em maio, onde seus dois primeiros episódios foram exibidos e absolutamente detonados pela crítica especializada. A série nunca passou de 25% de aprovação da crítica no Rotten Tomatoes (e, agora que acabou, teve pouco mais de 40% de aprovação do público) e as primeiras impressões ressaltaram o teor altamente sexual e o excesso de nudez sem propósito apresentados na série. Seguindo a linha do “falem bem, falem mal, mas falem de mim”, tanto o elenco quanto os membro da equipe envolvidos na produção minimizaram as críticas mais pesadas, dizendo que a intenção da série era mesmo chocar e trazer à tona os abusos da indústria sob uma perspectiva jamais vista. 

Foi no meio dessas polêmicas e, no mínimo, atiçando a curiosidade do público, que The Idol chegou aos domingos à noite da HBO. Dentro do primeiro cronograma, a série viria logo após o fim de House of the Dragon, mas por conta dos atrasos, acabou chegando apenas em junho desse ano, logo após o final de Succession e Barry, ambas sucessos entre crítica e público, o que pode justificar a queda de audiência de mais de 100 mil espectadores entre o primeiro e o segundo da série. O que aconteceu, no entanto, foi uma queda constante da audiência nos domingos seguintes, o que indica que esse resultado está diretamente ligado à reação do público ao conteúdo da série. Enquanto as últimas séries exibidas nesse horário na HBO fizeram um barulho absurdo nas redes sociais, The Idol não conseguiu conquistar um público para chamar de seu, e o pouco que se via da série nas redes era muito mais negativo do que positivo. 

MAS THE IDOL FOI MESMO TÃO RUIM QUANTO DIZIAM AS CRÍTICAS?

A partir desse parágrafo, o artigo conterá spoilers de todos os episódios da série. 

Sempre que uma produção recebe críticas e cria expectativas extremas, sejam elas negativas ou positivas, é bom ficar com um pé atrás para não se deixar levar pela opinião alheia sem nem ao menos conhecer, de fato, o conteúdo. É difícil permanecer imparcial diante de tanta informação, mas quando se trata de algo realmente bom, é isso que permanece no final. Bom, não foi esse o caso de The Idol.

Lily-Rose Depp interpreta Jocelyn, uma estrela que cresceu sob os holofotes e agora tenta se estabelecer de vez como um astro da música, mas sua carreira é abalada depois da morte precoce de sua mãe, que acaba desencadeando um episódio de colapso nervoso e a obriga a cancelar sua turnê. Determinada a retomar seu lugar na indústria, mas claramente fragilizada e ainda longe de encontrar o equilíbrio emocional, ela vê as pessoas ao seu redor (empresário, produtores musicais, pessoal da gravadora, diretor criativo, assistente pessoal) tomando as rédeas de sua vida e dos próximos passos da sua carreira, com uma nova turnê se aproximando. No meio disso tudo, aparece Tedros Tedros (o próprio Abel Tesfaye), quem ela conhece numa balada incentivada por Dyanne (Jennie Kim do grupo musical BLACKPINK). Tedros é o dono da boate, se veste como um cafetão de filme dos anos 80 e ostenta um (mini) rabo de cavalo. Nada nele é realmente atraente seguindo qualquer padrão de beleza convencional, mas Jocelyn se interessa por ele imediatamente e logo eles estão se beijando intensamente na balada. 

Jocelyn está trabalhando num novo single chamado “World Class Sinner/I’m a Freak”, mas ainda está em dúvida em relação a ele e quando mostra a música para Tedros, ele concorda que se trata de uma música “sem verdade”, muito comercial e que não demonstra todo o talento que Jocelyn tem e que ele, é claro, pode ajudá-la a desenvolver. Os dois começam a “trabalhar” juntos, Tedros como produtor. Por trabalhar juntos, quer dizer que Tedros se muda para a mansão de Jocelyn (curiosidade: a mansão é de Abel na vida real) junto com um grupo de protegidos dele, que ele às vezes chama de família, mas toda a situação dá a entender que se trata de algum tipo de culto, apesar de isso nunca ser plenamente trabalhado ou bem desenvolvido durante o andar da série. Mas todos esses “amigos” de Tedros são absurdamente talentosos, ainda que completamente “fora da caixinha”. Todos parecem seguir à risca as regras de Tedros, um estilo de vida segundo eles, com a promessa de que Tedros vai lapidar seus talentos e fazer deles grandes estrelas, mas é óbvio desde o começo que nada sobre Tedros e seu grupo é normal, ou minimamente saudável. Ainda assim, Jocelyn está convencida das habilidades de Tedros, rapidamente se apaixona e um relacionamento tóxico começa entre os dois. 

As cenas de nudez e de conteúdo sexual explícito podem sim ser consideradas um problema, por alguns motivos. Muitos podem, e devem, argumentar que nudez é algo natural e que sexo não deve ser o tabu que um dia foi, principalmente na indústria, mas tudo é uma questão de como isso é mostrado. Sam Levinson já foi muito criticado por suas escolhas na direção de Euphoria que exageram na exposição dos corpos dos personagens, principalmente as mulheres (com o agravante de serem adolescentes na série) e ele repete a dose com The Idol, sem qualquer limite. Jocelyn passa 99% com o mínimo de roupa possível, até mesmo quando ela está em casa sem qualquer compromisso, suas roupas são quase inexistentes. Isso, em si, não seria um problema dependendo do contexto, mas são figurinos tão exagerados que tiram completamente a credibilidade da situação. Quanto a essa polêmica específica, a atriz Lily-Rose Depp disse em entrevistas que a nudez na série é proposital e consensual e que, além de não ter nenhum problema pessoal com isso, ela acha que faz parte da série e lhe coloca num local de força. Pode ser que seja verdade – eu realmente espero que seja – mas todas as cenas trazem uma perspectiva claramente proveniente de um olhar masculino e desconfortável sobre a personagem. E, ao invés de ser retratado como algo natural e sem esforço, tanto a nudez quanto o teor sexual parecem forçados e plantados com o único intuito de chocar, tirando a atenção de todo o resto (não que tenha tanto a mais). 

A problemática só aumenta quando escala para tratar de relacionamentos abusivos. Não só de Jocelyn com Tedros, mas de Jocelyn com sua mãe, que descobrimos mais tarde ter sido a primeira abusadora de Jocelyn, controlando sua vida e lhe abusando também fisicamente, batendo na cantora com uma escova desde os seus 3 anos de idade. O trauma de Jocelyn é explorado por Tedros com a desculpa de que é através da dor e de encarar seus medos e traumas que seu verdadeiro talento transparece por inteiro e também como uma desculpa para que Tedros passe também a abusar de Jocelyn, chegando a lhe bater com a mesma escova que sua mãe, mas agora acrescentando o fator sexual à situação. 

Em The Idol, todas as pessoas são incrivelmente egocêntricas e indiferentes a emoções humanas. A série tenta, a todo tempo, te convencer de que essa é uma amostragem fiel da indústria da música e, em partes, talvez realmente seja. É impossível ver Jocelyn e seu colapso enquanto todos ao seu redor tentam colocá-la para trabalhar novamente com o único objetivo de lucrar, sem pensar na trajetória de Britney Spears (muitos fãs apontam semelhanças entre a estrela da série com Selena Gomez, ex-namorada de Abel Tesfaye), mas algumas coisas mudaram muito desde os anos 2000 ou até mesmo do começo de 2010 e é mais difícil de acreditar que uma estrela desse nível de notoriedade esteja tão vulnerável e completamente isolada de pessoas que possam, de fato, ajudá-la, principalmente da forma como a série retratada. 

As polêmicas, no entanto, não são o único (e nem mesmo o maior) problema da história. A própria estrutura do enredo não se ajuda. Os quatro primeiros episódios da série parecem apenas um longo episódio e ao final de cada um deles, resta sempre a pergunta “mas aonde isso quer chegar?”, há tentativas de subtramas envolvendo o grupo de Tedros, mas não vai pra frente, o “mistério” do passado de Tedros é resolvido com rapidez e não tem qualquer impacto, seja para a história ou para o telespectador, personagens com potencial para serem interessantes são desperdiçados. Até mesmo a trama principal, que foi vendida como um drama intenso e subversivo sobre um guru de auto-ajuda líder de um culto que se envolve num relacionamento tumultuado com uma superstar, não chega nem perto de entregar o que prometeu e conseguiu transformar até mesmo essa premissa em algo morno e desinteressante. Lily-Rose Depp e a grande maioria do elenco (destaque para Rachel Sennott que foi injustiçada com um personagem apagado no final e Da’Vine Joy Randolph) se esforçam para fazer mágica com diálogos vergonhosos e tramas sem qualquer propósito ou sentido, mas Abel Tesfaye não tem a mínima condição de sustentar o personagem que ele tentou criar com Tedros.

A jornada de Jocelyn para se consagrar se junta à de Tedros para se despontar e ser reconhecido como o gênio que ele acredita ser. Em meio ao que parece ser um relacionamento extremamente abusivo por parte de Tedros, que chega a isolar Jocelyn de sua equipe e amigos e até mesmo fabricar uma acusação de estupro contra o ex-namorado de Jocelyn, destruindo a carreira do rapaz, a música de Jocelyn está, aparentemente melhor do nunca. Eu falo “aparentemente” porque é o que a série quer provar, mas as novas músicas (apesar de sonoramente mais interessantes, é verdade) têm letras praticamente iguais as anteriores, seguindo a mesma máxima de que “sexo vende”. No entanto, eles te dizem (e não mostram) que Tedros é a grande musa inspiradora de Jocelyn e sem ele e seu método nada ortodóxico, Jocelyn teria se tornado só mais uma. 

O FINAL DESASTROSO

Pois bem, depois de quatro episódios batendo na mesma tecla, sem qualquer real avanço e num ritmo monótono, foi anunciado que a série – antes divulgada como uma história de seis episódios – teria apenas cinco. A HBO não deu declarações a respeito, mas é muito possível que a série tenha sido encurtada por conta da resposta (ou falta dela) do público. Esse episódio suprimido provavelmente não faria nenhum milagre que transformasse a série em algo bom, na verdade é até melhor que a história não se estendesse por mais um domingo, mas isso fez com que o último episódio fosse evidentemente apressado e, consequentemente, piorado. 

O final mostra uma Jocelyn, enfim, “completa”. Satisfeita com a nova fase de sua carreira e sua projeção mundial, cercada dos discípulos de Tedros, Jocelyn é uma nova mulher e tudo isso só foi possível porque ela virou o jogo e, aqui, está a maior problemática de The Idol: Tedros, na verdade, era a vítima e Jocelyn a grande vilã.

Um ou dois episódios antes da final, Jocelyn mostrou facetas que indicavam que ela não era uma amiga muito boa (um eufemismo, já que ela viu Xander, um de seus amigos mais antigos, ser torturado por Tedros com um colar que dava choque depois que Xander falou mal da mãe falecida de Jocelyn), mas tirando esse momento específico, desde o começo da história todo o seu comportamento e, principalmente, o comportamento de Tedros, delinearam com clareza quem era o abusador e quem era o abusado no relacionamento. Tedros era abusivo não só com Jocelyn, mas com todos ao seu redor e não só abusivo, era literalmente um criminoso. Descobrimos que ele já havia sido preso por violência doméstica, prostituição e outras coisas e até a atualidade, além de torturar Xander e acusar falsamente o ex de Jocelyn, ele também tem uma menor de idade entre os membros de seu grupo. Todavia, de alguma forma, tudo isso é perdoado, por todos os envolvidos, na tentativa de criar um plot twist de último segundo e te convencer de que Jocelyn é, e sempre foi, a pessoa que estava usando Tedros para seu próprio proveito. 

Mais uma vez o problema não é a ideia e sim a execução. Uma das minhas histórias preferidas é Garota Exemplar, sobre uma mulher que (spoiler para quem ainda não leu o livro ou assistiu o filme) começa como a vítima e depois é descoberta pelo público como a cabeça da situação, ela nunca esteve em real perigo e apenas pintou seu marido como um abusador para mantê-lo sob seu domínio, mas a narrativa é impecável, a reviravolta não acontece no último segundo e tudo se encaixa para a gente entender que apesar de problemático, o marido dela estava bem longe de ser, de fato, um criminoso. Nada disso acontece em The Idol.

O que vemos é tentativa fracassada de transformar Tedros numa vítima, ao mesmo tempo que o enredo se dá por satisfeito com a punição dos comportamentos de Tedros ser apenas perder o holofote, já que Jocelyn deixa bem claro que seu lugar agora é na platéia e não ao seu lado como seu igual. Porém, ela ainda faz questão de apresentá-lo a todos seus fãs como o amor de sua vida. Por quê? Essa é uma ótima pergunta, que não tem uma ótima resposta. A justificativa dada é que Tedros e toda a situação que ele trouxe era o combustível que Jocelyn precisava para sua carreira, mas nada foi construído durante a narrativa para sustentar esse argumento. 

É impressionante que uma história como essa tenha saído do papel e envolvido tanta gente boa numa emissora do porte da HBO. Sam Levinson conquistou seu espaço por Euphoria que, por mais que compartilhe de alguns defeitos de The Idol, tinha uma coisa essencial: a experiência humana. Euphoria é uma história quase autobiográfica, fruto da experiência de Sam Levinson com o vício e sua batalha para superá-lo e é isso que se sobrepõe aos erros e cria uma conexão com o público capaz de emocionar e nos fazer torcer pelos personagens. The Idol, supostamente, também teria um quê de autobiografia, uma vez que Abel traria uma versão de suas próprias experiências com essa indústria, mas que parte disso tudo ele poderia ter vivido? Ele se vê como uma Jocelyn ou como um Tedros? De acordo com a narrativa contada, ambos seriam extremamente problemáticos e até mesmo perigosos. 

The Idol falhou em responder uma pergunta essencial: por que essa história está sendo contada? O fim não justificou os meios e os meios não justificaram o fim. Os planos visualmente interessantes e o talento do elenco no geral não foi o suficiente para compensar o roteiro confuso e os diálogos preguiçosos que levam a um desfecho decepcionante para todas as partes. Uma boa ideia sozinha não vai pra frente como deveria e a visão feminina que Abel descartou provavelmente não faria milagres, mas certamente teria sido bem-vinda. Até o momento, a HBO tem jogado verde a respeito de uma possível segunda temporada, mas pelo bem geral, torcemos para que esses 5 episódios sejam tudo que existe sobre a história de Jocelyn e Tedros.

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