UM LUGAR BEM LONGE DAQUI | NEM UMA ATUAÇÃO DE PRIMEIRA CONSEGUE SALVAR ESSA ADAPTAÇÃO DO MARASMO

“Um Lugar Bem Longe Daqui” é um dos livros mais vendidos dos últimos anos, com um grande público, incluindo a atriz Reese Whiterspoon que o inclui em seu Clube do Livro e ainda produziu o longa, que esperava ansiosamente pela estreia do filme que ainda conta com uma música exclusivamente para ele por Taylor Swift. Sempre que falamos de adaptações, é natural sentirmos um certo receio em relação a sua fidelidade ao conteúdo do livro e a forma como a história será levada das páginas para as câmeras. Nesse caso, o conteúdo é bem fiel ao livro, mas isso não ajuda em nada a forma como a história é contada em movimento e o resultado é bem mais decepcionante do que se poderia imaginar.

Para quem não leu o bestseller, “Um Lugar Bem Longe Daqui” conta a história de Kya Clark (Daisy Edgar-Jones), a quem conhecemos a partir da morte, provável assassinato, de Chase Andrews (Harris Dickinson), da qual Kya é acusada de ser responsável. Levada a julgamento, é defendida por um advogado de bom coração (David Strathairn) da acusação de homicídio, apesar do resto da cidade já a considerar culpada por conta do mito criado ao ser redor que a transformou na “Menina do Brejo” (o nome fica menos patético em inglês).

Alternando com o pacato julgamento, existe a história de Kya desde sua infância até seus dias atuais. Desde criança (Jojo Regina), Kya já morava no brejo isolado (só dá pra chegar lá de barco) com seus pais e seus irmãos, ao contrário do cenário que a acercava, sua família não tinha nada de beleza e harmonia. Seu pai (Garret Dillahunt) era violento e abusivo e, por conta dos maus tratos sofridos, os irmãos e a mãe de Kya fugiram, um a um, na tentativa de sobreviver em melhores condições. Isso acabou deixando Kya para sofrer sozinha com o temperamento explosivo do pai, mas até ele mesmo acabou a abandonando. Sem escolha e sem companhia, Kya é obrigada a se virar com o barco deixado pra trás e a casa inteira, além de si própria, para cuidar.

Por ter crescido isolada da cidade e distante da comunidade, Kya é vista com maus olhos pela população da cidade. Ela até tentou ir à escola uma vez, mas o bullying de seus colegas de classe a fez desistir, reforçando sua escolha de se manter isolada e todos esse isolamento levou a histórias mentirosas por parte da cidade e ao “apelido” de “Menina do brejo”. Acostumada com a vida solitária, Kya nunca se importou realmente com toda a aversão da cidade em relação a ela, e encontrou companhia na natureza e nos livros que aprendeu a ler com Tate enquanto aprendia, também, a se virar sem ter seus pais em casa.

No entanto, Kya não era tão sozinha assim. Além de um casal, donos de um mercadinho que Kya frequentava com seu pai, que sempre tiveram compaixão pela menina e tentavam ajudá-la como podiam, Kya também encontrou companhia em Tate (Taylor John Smith), seu amigo de infância, que sempre foi legal com Kya e por quem ela passa a se interessar já na fase adolescente/adulta. O interesse é mútuo e logo os dois engatam num romance. Tate é um menino doce e atencioso e um par perfeito para Kya, ele quer ser biólogo, ela ama a natureza. Eles têm lindos momentos juntos, mas Tate aspira sair da cidade pequena, enquanto Kya tem verdadeiro amor pela região e como sua vida é marcada por partidas, ela ganha mais uma: Tate vai embora para a faculdade e deixa Kya para trás sem ao menos se despedir.

Mais uma vez sozinha e ainda mais vulnerável, Kya conhece Chase, um jovem atraente e popular que se interessa por ela, mas não o suficiente para assumi-la para o mundo, começando então um romance sigiloso, contido ao brejo, mas nada disso incomoda Kya que não tem grandes ambições além de escrever e desenhar sobre a fauna e flora de seus arredores. Quando uma promessa frustrada de Chase acaba em tragédia, a vida de Kya é virada de cabeça para baixo.

A ideia da trama é interessante e realmente tem tudo para dar um bom livro, mas o que falta aqui é uma adaptação para o cinema. Kya, apaixonada pela natureza, embarca em divagações poéticas sobre folhas e insetos em narrações que em nada acrescentam ao filme, só o tornam maçante. Não é explicado o porquê de tamanho ódio da cidade em relação à Kya que é uma menina branca, dentro de todos os padrões de beleza, educada, bem-vestida, inteligente e autodidata. É verdade que ela vive isolada, mas está longe de ser até mesmo uma Juma do Pantanal. Nada tem de selvagem ou aversiva, nunca lhe são proferidas palavras realmente ofensivas.

Todas as cenas no tribunal são simples e superficiais, assim como os personagens secundários, tirando a emoção e suspense que geralmente vêm de situações assim. O que salva o filme de ser um completo desastre é Daisy Edgar-Jones, a atriz inglesa que teve seu primeiro papel de destaque na série Normal People é uma das mais interessantes dessa nova geração e conseguiu atribuir à Kya emoções que nem mesmo o roteiro lhe oferecia.

Há algumas reviravoltas na trama, sobretudo no final, que fazem valer a pena toda a espera (2 horas de filme que, facilmente, poderiam ser reduzidas), mas é uma pena que elas sejam tratadas sem a atenção que mereciam.

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